Técnico brasileiro leva futsal para base do Arsenal e revela: ‘Querem driblar como nós’

15 minutos de leitura

O brasileiro quer jogar futebol europeu e os europeus querem driblar como no Brasil“. Essa é a visão de quem deixou o interior de São Paulo e viajou mais de 9 mil quilômetros para trabalhar com futebol em Londres, onde mora há 10 anos. Gustavo Oliveira, de 43 anos, tem a missão de ajudar na formação de jovens atletas da base do Arsenal, depois de já ter feito esse trabalho nas academias de Chelsea e Millwall.

Gustavo teve uma modesta carreira como goleiro. Passou por São José, Portuguesa, Campinas Futebol Clube e foi até prospecto do Queens Park Rangers antes de jogar no Auckland City, da Nova Zelândia. Em 2005, resolveu deixar o futebol, mas passou a dar treinos em escolinhas e de sua cidade natal.

Por decisão de sua esposa inglesa, o treinador se mudou para a Inglaterra em 2016 já com a experiência de assistente técnico de Emily Lima. Gustavo trabalhou com Emily no São José e ajudou a desenvolver nomes que depois se tornariam titulares da seleção brasileira, como Ludmila (hoje no  Chicago Red Stars), Yasmin (Corinthians), Gabi Portilho (Corinthians) e a lenda Formiga.

✅ Siga a PL Brasil no ThreadsBlueSky WhatsApp.

O foco de Gustavo na época era trabalhar no Chelsea. Para isso, fez cursos da Federação Inglesa de Futebol (FA) e da Uefa. Hoje, ele tem qualificação Uefa B, que possibilita o exercício de técnico de equipes de jovens e juvenis, e busca a Uefa A, que permite treinar em níveis profissionais e semi-profissionais em ligas superiores, no ano que vem.

Através de troca de e-mails, o brasileiro conseguiu uma entrevista no gigante londrino e foi aprovado para trabalhar como assistente técnico no sub-10 do Chelsea. Em paralelo, ele atuou numa parceria do clube com instituições de ensino da cidade, que, em vez de contratar um professor de futebol, contrata o time para prestar o serviço na escola.

O Chelsea é um clube muito bem organizado, faz um tempo que está dominando a base na Inglaterra. É Chelsea, Manchester City em segundo e Arsenal em terceiro, em termos de base.

Em 2019, ele se mudou para o Millwall, clube localizado no sudeste de Londres, região mais próxima da casa do brasileiro. Ele aceitou a troca não apenas pela proximidade, mas porque seria treinador e não mais assistente.

Gustavo começou no sub-9 e depois transitou entre as equipes sub-13 e sub-15. Durante sua estadia no Millwall, ele fez um curso de futsal e impressionou um treinador da base do Arsenal que estava entre os participantes.

Pouco tempo depois, Gustavo recebeu um telefonema dos Gunners perguntando se queria trabalhar no clube. “Não pude recusar“, disse ele.

Inovação com o futsal

Em 2022, Gustavo topou deixar o cargo de treinador sub-15 do Millwall para ser assistente do sub-9 do Arsenal, pensando em agregar seu currículo com o nome do clube, pois seu objetivo é trabalhar em clubes dos Estados Unidos ou na Espanha.

Era metade da temporada quando se transferiu para o lado vermelho do norte de Londres, mas mesmo assim conseguiu criar uma conexão com seus jovens atletas rapidamente. Dessa forma, no final de 2022/23, ele foi chamado para ser assistente do sub-11 e trabalhar com o sub-14 aos sábados.

— Eles (jogadores) cantam músicas brasileiras, sempre falam “hoje eu vou jogar igual ao Vini Jr“, “hoje vou jogar igual ao Endrick“. Eles veem como o jogador brasileiro driblam e perguntam “vê se eu já sou brasileiro, olha como eu driblo”. É uma coisa boa para ajudar na conexão e a aguçar a criatividade deles. De vez em quando, eu falo para eles “me mostra um drible do Brasil”, aí eles fazem chapéu e querem se mostrar.

Gustavo Oliveira Arsenal
Gustavo Oliveira, técnico do sub-9 do Arsenal (Foto: Instagram/Gustavo Oliveira)

Mas a virada de chave para o crescimento do brasileiro dentro do clube aconteceu quando ele criou um programa de futsal para categorias inferiores. A ideia era desenvolver a capacidade de tomada de decisão assertiva em espaço curto.

Logo em seu primeiro ano nos Gunners, Gustavo introduziu o futsal apenas no sub-9. Porém, detectou um problema de falta de continuidade do trabalho. Quando o jogador subia para o sub-10 não tinha mais acesso ao projeto.

Então, Gustavo convenceu o clube neste ano a continuar com o ritmo e, agora, há um trabalho semanal na quadra de futsal de uma escola, do sub-9 ao sub-11.

Já é um bom começo. Quando eles chegarem no sub-12 tendo jogado futsal uma vez por semana, eles serão jogadores completamente diferentes. No Arsenal, para falar a verdade, os jogadores têm intimidade com a bola, porque são escolhidos no nível mais alto. Mas queremos que eles driblem. No sub-9 nem treinamos passe, porque queremos desenvolver o drible.

Inversão de valores

O futsal desenvolve principalmente a capacidade de decisão assertiva em um curto espaço de tempo de um jogador, utilizando o drible como ferramenta principal. É justamente esse atributo que o futebol europeu vem tentando acrescentar em seus jogadores na base.

Quando o Flamengo disputou dois amistosos contra o Arsenal sub-16, em dezembro, na Copa Adidas, Gustavo ficou encantado. “Os jogadores do Flamengo sub-16, são diferenciados, porque têm a tomada de decisão rápida, criatividade de sair de situações“.

Para o treinador, há uma inversão de valores. O jogador europeu está tentando driblar e os brasileiros priorizando o passe, como os europeus. Por isso, ele adoraria levar um pouco do que aprendeu na Inglaterra para o Brasil.

O Flamengo, com jogador driblador, passa a bola. No Arsenal, que não tem driblador, estamos querendo fazer eles driblarem. Eu gostaria de voltar ao Brasil para levar a cultura brasileira de antigamente. Gosto muito do “tiki-taka” do Guardiola, é um dos meus ídolos, mas eu acho que o Brasil sempre foi Brasil pela diferença que criamos individualmente, no um contra um.

“Passar a bola, qualquer um consegue. Driblar é para poucos.”

Como funciona o recrutamento de jovens em Londres

Gustavo conta que o recrutamento de jogadores em Londres acontece da seguinte forma: se aparece um bom jogador, que se destaca no sub-7, os clubes começam a observá-lo. Quando chega no sub-8, os atletas escolhem em qual base eles querem treinar.

Se o garoto comprovar seu talento, todas as bases de Londres provavelmente vão oferecer espaço para ele treinar. No sub-8, o Chelsea treina na segunda-feira, o Arsenal na terça, o West Ham na quarta e assim por diante. Portanto, é possível que o mesmo jogador treine em cinco clubes londrinos, a não ser que ele escolha apenas um. Em fevereiro de todo ano, os clubes oferecem um contrato.

Se o menino está treinando no Chelsea, Arsenal, Crystal Palace e Milwall, normalmente o Chelsea pega, porque a estrutura é melhor. A não ser que o pai torça para o Arsenal, aí o jogador vai para lá –– destaca o treinador brasileiro.

Segundo Gustavo, dificilmente jogadores do sul de Londres viajam até o norte para jogar no Tottenham. Já para o Arsenal ainda vão, porque também é destaque em estrutura para jovens.

Em termos de equipamento, Chelsea e Arsenal são diferentes. Eles dão tênis, cinco ou seis pares de chuteira por ano, comida, então eles ganham de tudo. No Milwall, por exemplo, só ganha o kit, não ganha chuteira, caneleira, porque eles não têm condição financeira. Depois vêm Tottenham, Crystal Palace e West Ham, que dão kit e mochila, mas não dão chuteiras — relata Oliveira.

Como funciona a base do Arsenal

O centro de treinamento que Gustavo trabalha não é o mesmo utilizado por Mikel Arteta. Só a partir do sub-18, os atletas do Arsenal treinam no local do elenco principal, colado com o do Watford.

O CT das categorias mais baixas do Arsenal é localizado na região central de Londres, enquanto o do elenco principal é no nordeste, a cerca de 40 minutos.

Mas a separação entre os dois não divide a filosofia do clube. O Arsenal promove uma reunião no começo de toda temporada que engloba todos os funcionários, do sub-9 até o time principal, que acontece ou no Emirates Stadium ou online.

A cada dois meses, também há uma reunião para tratar de jogadores de cada posição. O que o clube deseja é criar um elo que percorre do sub-9 ao profissional, mantendo a filosofia e características de jogo que o Arsenal deseja em campo.

— É bem interessante, porque tudo que fazemos é organizado para o primeiro time. O trabalho de cada categoria não é solto, é linear. Queremos crescer o jogador mantendo o mesmo caminho.

Estilo de jogo

A primeira coisa que o Arsenal prega na base é: os jogadores precisam estar confortáveis com a bola. O clube quer que, quando o jogador estiver no sub-16, ninguém se desespere, mesmo quando há dois ou três marcadores pressionando. Ele precisa virar o corpo, proteger a bola, erguer a cabeça e encontrar uma solução. É tudo sobre sair jogando em espaço curto.

Portanto, a prioridade do Arsenal é bola no chão, encontrando caminhos nas entrelinhas ou voltar a bola para a defesa e, apenas em último caso, usar lançamento ou o famoso “chutão” como recurso.

Porém, enfrentar clubes como o Millwall na base é um desafio, pois são dois estilos diferentes de jogo se enfrentando. Seja em cobranças de escanteio, de falta ou com bola rolando, o Arsenal quer bola no chão e o adversário prefere bola no alto.

— Eles (Millwall) já mandaram embora jogadores que eu acho top porque eram muito técnicos e não físicos o suficiente. Um Xavi, um Messi, no Millwall não sobreviveria — conta Gustavo.

O mesmo acontece quando, em torneios internacionais, o Arsenal enfrenta alguma equipe italiana, que treina bastante o jogo aéreo. Gustavo deu como exemplo as dificuldades no jogo contra a Juventus, no ano passado, em que a equipe explorava muito os escanteios.

— Eles deram trabalho para nós na bola alta. É bom por um lado, porque os nossos jogadores ficam muito bons com a bola no chão, mas quando ela está no ar, é uma parte que não treinamos. Faz parte do aprendizado — relata o técnico brasileiro.

Vale lembrar que a FA decidiu eliminar as competições para categorias abaixo dos 13 anos em 2019. A mudança foi parte de uma iniciativa para focar no desenvolvimento de jovens jogadores e promover um ambiente mais saudável e positivo para as crianças no futebol.

Portanto, do sub-9 ao sub-12, os clubes estão mais focados na formação do atleta em seu estilo de jogo do que em resultados.

Para nós, como treinadores, não faz diferença ganhar ou perder. Queremos que o jogador aprenda. Zagueiro abrindo, goleiro saindo jogando. Se a gente sai jogando com o zagueiro, ele tenta driblar, perde a bola e o centroavante adversário faz o gol, tudo bem, tenta de novo depois. É preciso apenas prestar atenção quando se deve driblar e quando se deve achar o passe.

Romulo Giacomin
Romulo Giacomin

Formado em Jornalismo na UFOP, passou por Mais Minas, Esporte News Mundo e Estado de Minas. Atualmente, escreve para a Premier League Brasil.