Por que o Arsenal se tornou símbolo da identidade negra no Reino Unido?

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O Arsenal é um tradicional clube de futebol da Inglaterra sediado no norte Londres, mas que conseguiu mudar a história de todo um povo no Reino Unido. O time tem diversos atletas negros no hall de ídolos, como Paul Davis, Ian Wright e Thierry Henry, e a importância do trio ultrapassa as quatro linhas.

É isso que explora o livro “Black Arsenal: Club, Culture, Identity” (Arsenal Negro: Clube, Cultura e Identidade, em tradução livre). A publicação, que tem autoria do doutor Clive Chijioke Nwonka, professor associado de Filme, Cultura e Sociedade da University College London (UCL), e do escritor Matthew Harle, aborda a relação do Arsenal com a comunidade negra e como o clube se tornou um símbolo da diversidade e inclusão no futebol e em outras esferas da sociedade.

— O livro procura refletir sobre o que o Arsenal significa para os britânicos negros e como o clube continua a influenciar no senso de pertencimento deles —, diz Nwonka em artigo no site do Arsenal.

O professor destacou que o clube inglês é peça central da multirracialidade da sociedade britânica contemporânea. O time, por exemplo, foi o primeiro da história a escalar nove jogadores negros entre os 11 titulares em uma partida da Premier League.

O feito ocorreu em 28 de setembro de 2002 em duelo contra o Leeds no Elland Road, sob o comando do francês Arsène Wenger. À época, a escalação foi a seguinte: David Seaman no gol, Laurén na lateral-direita, Campbell e Cygan na zaga e Ashley Cole pela lateral-esquerda; Kolo Touré, Patrick Vieira e Gilberto Silva no meio-campo, e o ataque tinha Sylvain Wiltord, Thierry Henry e Kanu.

Os Gunners venceram o embate por 4 a 1, e Nwonka ressaltou que o desempenho dos atletas em campo aumentou a relevância do momento, conforme comentou em entrevista à “BBC África”.

“Isso mostrou que a presença deles era justificada pelo sucesso deles”.

Ex-jogadores do Arsenal entendem impacto para a comunidade negra

Este capítulo da trajetória Gunner é enfatizado no livro, assim como relatos de Paul Davis e Ian Wright acerca da importância da equipe para a representatividade.

— Enquanto estava jogando pelo Arsenal, não percebi que o trabalho que fazia em campo e fora dele significava tanto para pessoas negras, e saber disso significa mais para mim do que minhas duas medalhas da Premier League —, enfatizou Davis em arquivo do Arsenal.

— Com o Black Arsenal entendo o que isso significa agora. Temos jogadores, torcedores, a história de atletas negros ao redor do mundo e uma forte conexão com Londres —, declarou Ian Wright.

Para Anita Asante, ex-zagueira dos Gunners, a publicação também é importante por celebrar jogadores e torcedores negros. “Nos ver refletidos em Black Arsenal é fundamental, não apenas para reconhecer o passado, mas também para inspirar gerações futuras”, afirmou ela.

Estrelas conectadas pelas dificuldades e quebras de paradigmas

Isso não significa, porém, que os atletas não sofriam com racismo naquele período, pelo contrário. Como relembrou Nwonka, Paul Davis teve momentos de dificuldade devido ao preconceito na Inglaterra.

Kevin Campbell e Paul Davis no Arsenal em 1991
Kevin Campbell e Paul Davis no Arsenal em 1991 (Foto: Colorsport/Imago)

O londrino ficou no clube de 1978 a 1995, e se sagrou como uma das lendas Gunner ao superar o racismo, conforme destaca o professor, e abrir caminho para o surgimento de outros astros.

Para Nwonka, tudo está conectado. Não haveria Bukayo Saka sem Thierry Henry; não teria Henry sem Wright; e não seria possível ter Wright sem Davis.

— Davis ficou no clube por 17 anos, aguentou todo racismo dos anos 80 e continuou, se destacou e abriu caminho. Eu queria que ele fosse um capítulo central no livro porque ele é fundamental para o ‘Black Arsenal’ em três frentes: anos 80, anos 90 e dias atuais —, pontuou o doutor em entrevista ao “The Athletic”.

A luta contra o racismo permanece. Um levantamento da instituição Kick It Out, que mapeia casos de discriminação no futebol inglês, registrou aumento de 47% nas denúncias de injúria racial em 2023/24 em relação à temporada 2022/23.

Saka, inclusive, já foi alvo de ofensas racistas, assim como Marcus Rashford e Jadon Sancho, após a final da Eurocopa 2020. Na ocasião, o Arsenal repudiou os comentários em nota oficial.

Nwonka enfatizou que os incidentes evidenciam que os atletas, por mais “superestrelas” que sejam, não estão imunes ao preconceito e, portanto, passam pelas mesmas dificuldades que outras pessoas em relação à discriminação.

Ações de impacto positivo e legado do Arsenal para o futuro

Isso reflete a importância de investir em formas de valorizar a identidade negra na sociedade. Na temporada atual, o Arsenal lançou, em parceria com a fornecedora de materiais esportivos Adidas e a marca Labrum, um uniforme para celebrar a conexão com o continente africano.

Além disso, a cultura negra dos Gunners continua com Saka, Gabriel Magalhães, William Saliba, Jurrien Timber, Thomas Partey, Gabriel Jesus, Raheem Sterling e Vivienne Lia nos times principais masculino e feminino da equipe.

O grupo dá sequência ao legado conquistado há décadas, que proporciona ao Arsenal poder ser relevante na luta para promoção de identidade e visibilidade à comunidade negra.

Milena Tomaz
Milena Tomaz

Jornalista entusiasta de esportes que integra a equipe de redação da PL Brasil. Se formou em Comunicação Social em 2019.