Armênia x Azerbaijão: por que Mkhitaryan está fora da final da Europa League?

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Rivalidade Arsenal x Chelsea, Gunners tentando o primeiro título europeu em 25 anos, provável último jogo de Eden Hazard pelos Blues e a aposentadoria de Petr Cech. A final da Uefa Europa League, no próximo dia 29 de maio, já tem ingredientes suficientes para ser histórica. Mas o confronto ganhou uma vírgula a mais que gerou muita polêmica. Isso graças a um conflito histórico entre Armênia x Azerbaijão.

É por esse motivo que o meia armênio Henrikh Mkhitaryan, do Arsenal, não irá jogar a final em Baku, capital azeri.

Por conta do pesado conflito, que teve seu estopim no começo dos anos 1990, o nível de insegurança de armênios entrando no país vizinho (e vice-versa) é muito alto. Assim, em comum acordo com o clube, Mkhitaryan decidiu não viajar para a final.

A PL Brasil explica abaixo a questão entre os dois países e como repercutiu a decisão de não levar o camisa 7 do Arsenal ao último jogo da temporada.

O conflito Armênia x Azerbaijão

Para entendermos os motivos de as relações entre os países serem tão complicadas, precisamos voltar bastante no tempo. Mais precisamente, ainda para a época da antiga União Soviética.

O motivo principal do problema é o território de Nagorno-Karabakh. Hoje ele se chama República de Artsaque, e fica no Cáucaso, região montanhosa praticamente na fronteira das duas nações.

O território já havia sido controlado pelo Império Otomano no começo do século XX, e Azerbaijão e Armênia chegaram a travar duelos por esta e outras partes do país. A partir da Revolução Russa, porém, a União Soviética dominou tudo e começou a exercer controle maior nas mesmas.

As repúblicas de Armênia e Azerbaijão faziam parte da antiga URSS. Por isso, em 1921, Josef Stalin fez uma reorganização de territórios e definiu que Nagorno-Karabakh, mesmo com maioria armênia, fosse uma divisão administrativa pertencente ao Azerbaijão.

A decisão também visava agradar a Turquia, que tinha (e até hoje possui) relações mais fortes com o Azerbaijão. Como azeris e armênios faziam parte da URSS, a decisão foi absorvida normalmente pelos vizinhos.

Porém, a partir dos anos 1980, o problema voltou a ser mais forte. Com medidas como a glasnost e a perestroika, a URSS de Mikhail Gorbachev começou a dar mais liberdade aos seus cidadãos na segunda metade da década. E isso influenciou diretamente em Nagorno-Karabakh.

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Em 1988, os líderes armênios do território votaram pela união do território à Armênia, decisão ignorada por Gorbachev. Mas as situações de represálias a armênios no Azerbaijão e azeris na Armênia eram constantes, com várias expulsões de territórios e assassinatos envolvidos. Começava ali a pior parte.

Enquanto o governo central tomava medidas para ajudar no controle do lado azeri, os armênios não mostravam nenhuma vontade em ceder territórios. Os conflitos continuavam e tiveram seu estopim com o fim da União Soviética.

Em novembro de 1991, o Azerbaijão revogou o estatuto de teórica autonomia de Nagorno-Karabakh e clamou o controle do local. Um mês depois, foi feito um referendo boicotado pelo azeris, onde votou-se com sucesso a independência do território.

Ainda em dezembro de 1991, Mikhail Gorbachev anunciou sua renúncia e a URSS se dissolveu de vez. Com isso, os territórios ligados a ela declararam independência e qualquer força central para evitar a guerra entre os países estava oficialmente acabada.

Em 1992, a situação ficou irreversível e a Guerra de Nagorno-Karabakh ganhou vida. Combates violentos e muito sangrentos marcaram a disputa entre os vizinhos e ceifaram milhares de vidas.

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Em 16 de maio de 1994, com aumento das relações diplomáticas e o exército do Azerbaijão se esvaziando, foi assinado o cessar-fogo. O acordo dura até hoje e envolveu os dois países, o território em disputa e a Rússia. Foi um avanço, mas não o suficiente.

Até hoje ainda existem conflitos isolados e, em alguns momentos nos últimos 25 anos, foram registradas situações de disputa e tentativa de invasão de território. Hoje, na teoria, o território faz parte do Azerbaijão, mas na prática é independente com maioria da população armênia.

A briga por Nagorno-Karabakh acabou gerando bloqueios e sanções econômicas por parte dos dois países e envolvendo também a Turquia, que limitou suas relações com a Armênia.

Estas questões têm sido mais prejudiciais aos armênios, que sentem os efeitos até hoje. Já o Azerbaijão enriqueceu mais rapidamente, em especial graças ao petróleo. Os dias atuais ainda registram muita tensão e o conflito parece estar longe de ser resolvido.

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Isso porque os laços antigos ainda seguem entre Azerbaijão/Turquia e Armênia/Rússia. Só que apesar disso, a Rússia tem se aproximado do Azerbaijão por conta do interesse no petróleo.

Assim, com os russos sendo influentes em outros locais pela região, a paz total é cada vez mais utópica. O confronto Armênia x Azerbaijão mais recente ocorreu em 2016, com os azeres lançando artilharias e os armênios abatendo helicópteros.

Na época, em reunião entre os presidentes dos dois países e da Rússia, o mandatário do Azerbaijão, Ilham Aliyev, afirmou: “O status quo (ocupação maior da Armênia) é inaceitável. Mas, para que mude, é necessário começar com a desocupação do território do Azerbaijão, ocupado há mais de 20 anos por tropas armênias”.

Em 2018, o primeiro-ministro da Armênia, Nikol Pashinyan, foi enfático sobre a tensão no local. “A situação na região é muito tensa. E falo, sobretudo, da retórica agressiva do Azerbaijão. Há uma alta possibilidade de guerra e temos que estar preparados para ela”, declarou.

Impasse Armênia x Azerbaijão já deixou Mkhitaryan fora de outros confrontos

Com toda a questão envolvida, é comum que os dois países não permitam entrada de pessoas nascidas nos vizinhos – apenas em casos mais extraordinários. Essa proibição não é lei, mas ainda acontece bastante. E aí entramos no caso de Mkhitaryan.

Em 2015, enquanto atuava pelo Borussia Dortmund, ele não viajou ao Azerbaijão para enfrentar o Gabala, pela fase de grupos da Europa League. A Uefa chegou a oferecer um visto especial ao jogador, mas o meia optou por não aceitar.

E, na atual temporada da Europa League, a questão da final não é a primeira neste sentido. Ainda na fase de grupos, o Arsenal enfrentou o Qarabag, também do Azerbaijão. Desta vez, o clube foi quem optou por não levar o jogador.

Mkhitaryan esteve no banco no duelo contra o Qarabag em Londres nesta UEL, mas não viajou para o jogo em Baku (Foto: Marc Atkins/Getty Images)

Curiosamente, o Qarabag tem esse nome justamente por ter nascido na região de Nagorno-Karabakh em 1951. Mas com o êxodo de azeris nos conflitos, o time foi para Baku, capital do país, onde joga até hoje.

Na situação mais recente contra o Qarabag, até mesmo o técnico adversário comentou o assunto.

“Eu não queria que a política atrapalhasse assim no esporte, mas não poderíamos fazer nada sobre esse assunto. O Arsenal preferiu ‘salvar' o jogador […]. A equipe pode ter medo de que, na frente de 60 mil torcedores do Azerbaijão, ele sinta alguma pressão”, disse Gurban Gurbanov.

O jogo foi realizado em outubro de 2018. Como já se sabia que a final da UEL seria no Azerbaijão sete meses depois, o técnico do Arsenal foi perguntado sobre o assunto. Unai Emery declarou que faltava “muito tempo para chegarmos à final”. Mas chegaram.

Dois meses depois, quando ambos se enfrentaram pela fase de grupos em Londres, um armênio invadiu o campo com a bandeira de Nagorno-Karabakh e uma camisa de Monte Melkonian, revolucionário que lutou pelo território em questão. Ele foi morto por azeris em 1993 e em 1996 foi declarado oficialmente Herói Nacional da Armênia.

O fato incomodou visivelmente os jogadores azeris. O Arsenal foi multado em € 15 mil pela invasão. Na época, membros da First Armenian Front (FAF), grupo ultra-nacionalista do país, ajudaram na negociação para a liberação do torcedor em Londres e seu retorno à Armênia.

Tentativas para levar Mkhitaryan à final da UEL não deram certo

O processo para escolha da sede da final da UEL 2018/19 se deu em 2017. Depois de abrir às associações nacionais a possibilidade de candidatura, foram anunciados como concorrentes Azerbaijão (Estádio Olímpico, Baku), Espanha (Ramon Sánchez Pizjuan, Sevilla) e Turquia (Vodafone Park, Istambul).

Em 20 de setembro de 2017, a Uefa confirmou que o Azerbaijão sediaria a partida. Naquela mesma temporada o país também concorreu à final da Champions League, mas esta foi para o Wanda Metropolitano, em Madri.

O tempo passou e, com a confirmação recente da ida do Arsenal à final da Europa League, rapidamente começou a negociação para que Mkhitaryan pudesse participar do jogo.

No dia 10 de maio, a Uefa soltou uma nota oficial à imprensa declarando que recebeu garantias da Associação de Futebol do Azerbaijão a respeito da segurança do meia. Porém, a mensagem não citava o governo local.

Foram solicitadas garantias pela UEFA e pelo Arsenal FC, com a Associação de Futebol do Azerbaijão confirmando que não haveria qualquer problema para o jogador em questão entrar e permanecer no Azerbaijão e que todas as medidas de segurança necessárias estariam em vigor”, disse a federação.

O Ministério das Relações Exteriores do país também se pronunciou neste sentido, pontuando à Associated Press que “muitos grandes eventos esportivos foram realizados no país e atletas armênios participaram. Esportes e política estão separados”.

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Segundo relatos da imprensa inglesa, rapidamente o Arsenal e o jogador ficaram muito desapontados pela falta de negociação com a Uefa. Chegou a se cogitar na mídia local que o Arsenal não entraria em campo, mas a importância do jogo fez a hipótese nem ser pensada internamente.

O pessimismo do clube se consolidou no último dia 22 de maio. Nas redes sociais, Henrikh Mkhitaryan confirmou oficialmente que não irá viajar ao Azerbaijão e, com isso, perderá a final da Europa League.

“Considerando todas as opções, tomamos a dura decisão de não viajar com o elenco para a final da Liga Europa contra o Chelsea. É o tipo de jogo que não acontece frequentemente para nós jogadores e admito que dói muito perdê-lo. Estarei torcendo pelos meus companheiros! Vamos vencer, Arsenal” – Henrikh Mkhitaryan.

De acordo com os Gunners, a decisão se deu em conjunto pelo atleta e sua família. “Nós escrevemos à Uefa expressando nossa preocupação com a situação. Micki foi um jogador chave em nossa campanha, e esta é uma grande perda para nós”, disse o time.

A Uefa confirmou que recebeu garantias de segurança do Azerbaijão e entregou um plano de segurança ao Arsenal, mas disse respeitar a posição do atleta. A mesma posição foi tomada pela federação de futebol local, que reiterou a segurança total ao jogador.

A posição mais dura dos azeris sobre o assunto, porém, foi tomada pelo embaixador do país no Reino Unido, Tahir Taghizadeh. Em entrevista à Sky Sports inglesa dois dias antes da desistência oficial, o diplomata fez duras críticas ao atleta e esta atitude.

“Eu diria (a ele) ‘você é um jogador profissional, um futebolista classe A’, então vamos garantir que este é um evento classe A se nosso propósito é fazer uma grande final. Se o nosso objetivo é fazer jogo político sobre isso, é algo diferente, mas espero que não. Você está sendo pago como atleta, não como político, então vamos deixar outros problemas de lado” – Tahir Taghizadeh.

A imprensa do Azerbaijão também defendeu a posição do país, criticando o atleta. Vários meios demonstraram repúdio à decisão de Mkhitaryan assim que ela foi divulgada.

O site “Zerkalo”, por exemplo, afirmou: “Mkhitaryan preferiu ser refém dos próprios medos. Ele confundiu o campo de futebol com o mundo político. O jogo terminou de uma maneira previsível, e Henrikh marcou um gol contra”.

A situação não afeta apenas Mkhitaryan: a BBC reportou que torcedores do Arsenal com dupla nacionalidade (armênia e britânica) e detentores dos season tickets para toda a temporada tiveram seus vistos negados. O clube ainda negocia a questão com autoridades.

No geral, a repercussão foi muito negativa. Em todo o mundo, torcedores de todos os times e pessoas ligadas ao futebol se manifestaram contra a falta de controle da Uefa e demonstraram apoio ao jogador.

Diante de tantas discussões e impasses, o fato é que o Arsenal terá que lidar com a ausência de um jogador importante. Mkhitaryan participou de 11 dos 14 jogos da campanha até aqui e é peça-chave no time de Unai Emery.

Outros problemas marcam final da UEL

Esta é uma final marcada por problemas. Além da questão diplomática, há os impasses com ingressos e transportes. A Uefa disponibilizou apenas 6 mil entradas para cada torcida em um estádio com 68.700 lugares – o resto será dado a autoridades, patrocinadores, convidados e público local.

Ademais, para os dias que antecedem a final não há voos diretos de Londres para Baku. Com isso, torcedores de Arsenal e Chelsea estão tendo que desembolsar valores que passam dos R$ 4 mil apenas com passagens – sem contar hospedagens e ingressos.

Tudo isso culmina em uma situação drástica. Segundo reportagem do jornal inglês The Times, patrocinadores da Uefa estão devolvendo ingressos à entidade, diante de tantos problemas com torcedores e dificuldades para chegar de forma rápida ao Azerbaijão.

Com tudo isso em jogo, mais uma clara relação de mistura total entre política, dinheiro e futebol faz com que o esporte (pela omissão em cuidar da vida de um atleta e do bem-estar dos torcedores) saia perdendo.

Redacao
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