Archibald Leitch: o grande idealizador dos estádios ingleses

7 minutos de leitura

No futebol, várias são as pessoas envolvidas para criarem as condições perfeitas e necessárias para que o espetáculo em campo possa acontecer. Normalmente, o imaginário de seus amantes é ocupado por jogadores ou técnicos que levantaram troféus. O nome de Archibald Leitch pode não ser bem conhecido por muitos fãs, mas suas obras-primas foram palcos de partidas memoráveis, de explosões de alegria, raiva e tristeza.

Seus estádios pulsaram e encantaram milhões de torcedores que por eles passaram e outros bilhões que pela televisão sonhavam em lhes conhecer.

Archibald Leitch: como tudo começou?

Archibald Leitch nasceu em 27 de abril de 1865 na Comleypark Street, Camlachie, Glasgow. A região era uma área industrial com fábricas de todos os setores, e seria justamente ali que Archie começaria no ramo do design.

Depois de se formar, ele trabalhou como desenhista, engenheiro marítimo e no final do século XIX iria mudar de rota: trocaria os projetos de construção de fábricas pelos de estádios.

Sua primeira incursão no mundo do futebol ocorreu em 1899, quando ele e a Clyde Structural Iron Company projetaram e construíram a arquibancada no Rugby Park de Kilmarnock. Isso levou o Rangers, clube apoiado por Leitch, a contratá-lo em março daquele ano para construir seu novo estádio: Ibrox Park.

Entendendo o mercado da época

Antes de entrar nas construções é importante saber que, até o final do século XX, havia poucos arquitetos que trabalhavam com o futebol. Archibald aproveitou-se então da oportunidade para despontar.

Como ele conseguiu isso? Primeiro, como arquiteto de fábrica, Leitch estava acostumado a construir estruturas funcionais de forma rápida e barata – exatamente o que os clubes de futebol preocupados com o orçamento queriam.

Em segundo lugar, o próprio Leitch era, como todos os bons arquitetos precisam ser, um grande vendedor e, como bônus, claramente amava o futebol. E em terceiro lugar, um mercado pouco explorado e sem concorrência.

Diante disso, na virada do século, recém-criado por conta própria como um ‘engenheiro consultor e arquiteto de fábrica’ em seu país natal, e já com vários projetos de fábrica, a primeira grande missão no futebol se apresentava.

Projetar fábricas era uma coisa: elas já existiam há décadas. Construir um campo de futebol para 80 mil espectadores no início dos anos 1900 foi outro desafio. Havia poucos precedentes.

Mark Runnacles/Getty Images

A maioria dos campos de futebol do período cresceu, stand by stand (terraço por terraço). Na melhor das hipóteses, um possível designer de estande poderia pegar algumas dicas de design de outras áreas como música, teatros, ruínas históricas, etc.

Caso contrário, tratava-se de acelerar o básico geométrico (linhas de visão e assim por diante), abordando os requisitos de engenharia (cargas, tensões, materiais etc.) e esperando que tudo desse certo.

No caso de Leitch, inicialmente, eles não deram certo.

Leia mais: Desastre de Hillsborough: a história de uma das maiores tragédias do futebol

Ibrox Park: do sonho ao pesadelo

Os Rangers estavam jogando em um terreno de madeira e bem modesto, com capacidade para 25 mil pessoas, e estavam ansiosos para expandir. Archie estava empolgado e honrado por poder projetar a nova casa do seu clube do coração. E, em dezembro de 1899, ele foi entregue: um estádio oval, com pista de atletismo e que abrigava 40 mil espectadores.

Mas, em 5 de abril de 1902, o Ibrox estava programado para sediar uma partida entre Escócia e Inglaterra. Após a adição de terraços de madeira nas extremidades oeste e leste, a capacidade estava agora perto de 76 mil o que o tornou, sem dúvida, o maior estádio de futebol do mundo na época.

Ian MacNicol/Getty Images

Mas antes da partida havia preocupações sobre a estabilidade da estrutura. E esse temor se transformou em um verdadeiro pesadelo durante o jogo, quando parte do terraço atrás de um dos gols desmoronou. No pânico que se seguiu, muitos fãs entraram em colapso enquanto corriam à procura de segurança. Ao todo, 25 pessoas foram mortas e outras 517 ficaram feridas.

Leitch estava no estádio e testemunhara o desastre sem conseguir acreditar no que via. O que deveria ser o dia de maior orgulho da sua vida profissional se transformou no pior pesadelo. Uma falha no sistema e… uma tragédia.

As consequências do desastre dificultariam a carreira do arquiteto. Ele tentou culpar o empreiteiro, apontando para a baixa qualidade da madeira e embora o contratado tenha sido apontado como acusado, quase todos os envolvidos acreditavam que Archie também era parcialmente culpado. No final, ambos escaparam da acusação criminal, mas o futuro de Leitch ainda estava na balança.

Renascendo e recomeçando

Para Archie, o desastre foi o ponto mais sombrio de sua carreira e “certamente a testemunha ocular mais infeliz de todas”. E quando olhamos para o que lhe aconteceu nos anos que se seguiram, podemos até concordar.

As esperanças de sua incipiente carreira não terminar antes mesmo de começar, se concentravam nos Rangers. Em carta ao clube escocês, Archie diz, basicamente, que “se você me demitir, estará efetivamente dizendo que sou culpado”, e consegue que eles lhe deem a chance de reconstruir e fazer os acabamentos necessários após o acidente.

Então Leitch fez o que qualquer designer decente faria naquelas circunstâncias: ele voltou para a prancheta disposto a fazer tudo para que um desastre daqueles jamais se repetisse.

Os estádios de Archie foram inicialmente considerados funcionais, e não esteticamente elegantes, e foram claramente influenciados por seus primeiros trabalhos em edifícios industriais.

Normalmente, suas arquibancadas tinham duas camadas, com balaustradas de aço cruzadas na frente da camada superior, e eram cobertas por uma série de telhados inclinados, construídos de modo que suas extremidades se voltassem para o campo de jogo; o vão central do telhado seria nitidamente maior e incorporaria um frontão distinto.

Leia mais: Relatório Taylor: a revolução no futebol inglês em forma de escrita

Agora, na busca por um terraço melhor e mais seguro, o escocês iria revolucionar o design de terraços em estádios de todo o país. Ao invés dos postes e trilhos de madeira sobre uma estrutura de ferro que, até aquele momento, eram suficientes para formar barreiras de esmagamento, o escocês projetou uma barreira de aço tubular que poderia ser parafusada em trilhos de aço que corriam sob o concreto, para aumentar a resistência.

Os terraços de Leitch tinham degraus fixos, corredores designados e suas próprias barreiras de esmagamento de aço patenteadas. Parte inseparável da cultura do futebol britânico durante grande parte do século XX, os terraços estavam agora mais fortes, mais seguros e mais adequados para assistir à partida.

Alex Davidson/Getty Images

O resultado de suas deliberações seria tornado público por dois motivos, ambos em 1905: Craven Cottage, do Fulham, e Stamford Bridge, do Chelsea. Leitch estava tão convencido dessa solução que, em 1906, ele registrou uma patente, intitulada “um método aprimorado de construir os terraços e acessórios no futebol e em outros campos esportivos”.

Archie estabelecia um padrão que seria seguido por muito tempo após sua morte. Nas quatro décadas seguintes, ele se tornaria o principal arquiteto de futebol da Grã-Bretanha. No total, Leitch foi contratado para projetar parte ou todos os mais de 20 estádios no Reino Unido e na Irlanda entre 1899 e 1939.

Ascensão e legado

Seu primeiro trabalho na Inglaterra foi o projeto e a construção do John Street Stand em Bramall Lane, que forneceu três mil assentos e terraços para seis mil torcedores, além de uma sala de entrevistas ao estilo Tudor (antiga dinastia real inglesa).

A produção de Leitch entre 1899 e 1935 foi prolífica, com clientes como Arsenal, Tottenham, Fulham, Rangers, Manchester United, Liverpool, Chelsea, Aston Villa, Hearts e muito mais. Seu estilo era altamente influente e instantaneamente reconhecível.

Simon Inglis, historiador de futebol e esportes e autor do livro “Engineering Archie”, destaca que Leitch tinha um tipo de livro de padrões. Os clubes poderiam escolher um estande que pudesse ser projetado e adaptado a necessidades específicas, desde modelos baratos e simples a projetos mais sofisticados e caros.

Ross Kinnaird/Getty Images

Além disso, o trabalho em aço poderia ser montado muito rapidamente nas fábricas de Glasgow e depois entregues ao clube para construção durante a próxima estação.

À medida que o futebol se expandia na primeira metade do século XX, os desenhos utilitários de Leitch foram repetidos por todo o país. Ele era principalmente um designer de fábrica e seus projetos eram voltados para a funcionalidade. O escocês foi um designer de estádios extraordinário e suas criações veneráveis, que rapidamente se tornaram clássicos, decoraram cidades e vilarejos em toda a Grã-Bretanha.

Quanto ao legado de Archie, muito de seu trabalho já se foi há muito tempo. Isso ocorreu em grande parte como resultado do Relatório Taylor sobre o desastre de Hillsborough em 1989. E muitos de seus projetos não foram atualizados desde que foram construídos e não podiam acomodar os assentos que agora eram exigidos por lei.

Algumas criações de Leitch ainda sobrevivem: o Johnny Haynes Stand no Craven Cottage e seu pavilhão adjacente (The Cottage), ambos construídos em 1905. O South Stand do Fratton Park, estádio do Portsmouth, foi extensivamente modificado.

Em outros lugares, o núcleo de concreto do estande principal em Anfield, construído em 1906, vive notavelmente, enterrado nas profundezas do vasto novo estande. Do outro lado do Stanley Park, outros dois estandes de Leitch sobrevivem no Goodison Park: o Bullens Road Stand e a Gwladys Street, mas eles podem não ficar por muito mais tempo se o Everton concretizar seu novo projeto de estádio.

Assim como o White Hart Lane, do Tottenham, foi a mais recente “vítima” com a inauguração Tottenham Hotspur Stadium. Archie construiu quatro estandes para o Spurs entre 1909 e 1934, incluindo o East Stand.

Leia mais: Atrasos e espera: a demora do novo estádio e o baixo público do Tottenham em Wembley

Sheffield Wednesday, Aberdeen e Crystal Palace ainda têm o trabalho de Leitch de pé. Seus projetos são instantaneamente reconhecíveis, considerando a quantidade de estádios em que ele esteve envolvido, com estandes de dois níveis apoiados por pilares de aço e um teto que se inclina bruscamente em direção ao campo.

Sem o devido reconhecimento

Mas é surpreendente saber que, quando Archibald Leitch morreu em 25 de abril de 1939, dois dias antes de completar 74 anos, não havia um único obituário em nenhum jornal. Mesmo nas revistas de arquitetura e engenharia que você pensaria que teriam um grande interesse nos negócios dos estádios, havia apenas uma breve entrada.

Apareceu no Journal of Institute of Mechanical Engineers, o corpo profissional ao qual Archie pertencia, e tudo o que dizia era que Leitch havia sido um ‘engenheiro consultor e arquiteto de fábrica’. Nenhuma menção de quais fábricas e nenhuma menção dos incontáveis e memoráveis campos de futebol que ele trabalhara.

Nenhuma menção, apesar do fato de que, se você tivesse participado de uma partida da Football League em abril de 1939, teria aproximadamente uma em três chances de ficar em um terraço ou sentar em um estande projetado pela empresa de Archie.

General Photographic Agency/Hulton Archive/Getty Images

Que no auge da década de 1920, 16 dos 22 clubes da primeira divisão haviam contratado o escocês uma vez ou outra. E na Copa do Mundo de 1966, dos oito locais utilizados, seis eram locais onde Leitch havia desempenhado um papel significativo.

Entre 1900 e 1939, sua lista de clientes incluía Manchester United, Liverpool, Everton, Blackburn, Tottenham, Arsenal, Chelsea, Fulham, Crystal Palace, Millwall, Charlton, Southampton, Portsmouth, Aston Villa, Wolves, Derby, Sunderland, Middlesbrough, Huddersfield, Sheffield United, Sheffield Wednesday, Bradford City e Bradford Park Avenue.

Leia mais: Blackpool: da elite ao calvário dos problemas judiciais e a queda para a 4ª

Nenhuma outra firma de arquitetos ou engenheiros, antes ou depois, criou uma base tão significativa de clientes no esporte britânico. Então, Archie não foi esquecido, afinal. Mesmo que a maioria dos fãs não saiba quem projetou seu estande ou estádio favorito.

O que Archie diria? Sem dúvida, ele ficaria encantado. E fascinado.

Karyne Teixeira
Karyne Teixeira

Uma mineira apaixonada pelo futebol e suas histórias.