A arbitragem da Premier League é realmente melhor que a brasileira? Especialistas avaliam prós e contras

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É muito comum ler mensagens nas redes sociais e ver comentaristas em mesas redondas valorizando a arbitragem da Premier League, em detrimento da brasileira — especialmente após a chegada do VAR.

Enquanto aqui as análises dos árbitros de vídeo são demoradas e, em boa parte das vezes, desembocam em decisões duvidosas, a Inglaterra é conhecida pelo uso ágil e “eficiente” desse instrumento.

No entanto, isso significa necessariamente que ela é superior?

Desde a primeira rodada da Premier League 2023/24, os torcedores têm assistido erros, muitas vezes graves, dos profissionais de arbitragem. E é possível considerá-los categoricamente como erros porque até mesmo a PGMOL, comissão independente responsável pela supervisão dos árbitros, assumiu isso.

Diante dessas polêmicas, a PL Brasil procurou os principais comentaristas de arbitragem das transmissões do Campeonato Inglês no Brasil, Carlos Simon e Renata Ruel, da ESPN, para entender: a arbitragem inglesa é realmente melhor que a brasileira?

Spoiler: sim, eles acreditam que ela seja melhor. Mas pontuaram problemas e explicaram o que pode ser melhorado.

As diferenças culturais e o contexto do jogo

Ambos comentaristas explicam que não é possível fazer uma análise sobre a arbitragem do país sem levar em consideração a cultura. Aqui, falamos tanto do fato de os árbitros serem favoráveis a deixar o jogo correr mais quanto dos próprios jogadores se preocuparem mais com o fair play.

— Na Premier League, o jogador e o técnico sabem que não podem sair e ofender o árbitro na entrevista coletiva. Eles sabem que vão ser punidos e não tem conversa. Lá, se um atleta simula um pênalti, o próprio companheiro de time vai cobrá-lo, ‘velho, por que tu quer fazer isso?’. Aqui, muitas vezes acham bonito o cara simular um pênalti — exemplificou Simon.

De acordo com Renata, é possível ver essas diferenças de forma mais clara quando você compara a performance de um jogador ou técnico quando está na Europa a como eles se comportam ao voltar para o Brasil.

A comentarista acredita que o fato de os árbitros deixarem o jogo correr é uma das características que fazem a arbitragem da Premier League ser superior à brasileira. Mas outro fator importante, aponta Renata, é o “entendimento do contexto” no jogo.

— É uma arbitragem com o melhor entendimento, para mim, do que é o futebol, do que é a realidade do jogo deles e o melhor entendimento do contexto, do que é uma ação faltosa, do que é um contato físico normal de jogo. Aqui, infelizmente, muitas vezes a nossa arbitragem é protagonista justamente porque falta essa parte de entendimento de jogo além de aplicação de regras — diz Renata.

Mas a comentarista frisa que isso não faz os ingleses serem perfeitos.

— É uma arbitragem muito boa, mas que tem erros porque errar é humano. E tem cometido erros ultimamente que mostram que ela não está na melhor fase — complementa Renata.

Mudança vem após uso polêmico do VAR na Premier League (Foto: Icon Sport)
Mudança vem após uso polêmico do VAR na Premier League (Foto: Icon Sport)

Profissionalização da arbitragem

Simon afirma que o fato de a arbitragem inglesa ser profissional já a coloca em um patamar acima da brasileira. Como dito no início, os juízes, auxiliares e profissionais do VAR na Inglaterra ficam sob a responsabilidade da PGMOL, um órgão independente da federação inglesa. No Brasil, o serviço desses integrantes do futebol é contratado pela CBF e eles recebem por partida. É como um “freelancer”.

— Na Inglaterra, eles são profissionais, vivem só da arbitragem. Eles têm um contrato profissional que é renovado ano a ano. Profissionalização é isso. É salário, são condições para você reunir todo o grupo na sede local, duas ou três vezes por mês, ter psiquiatra, psicólogo, fisioterapeuta, médico, preparador físico, todo um aparato por trás. Na Premier League, eles têm esse acompanhamento. Aqui não tem nada — relata o comentarista.

Profissionalização quer dizer erro zero? Não, porque tratam-se de seres humanos. A falibilidade faz parte do ser humano. Mas com certeza diminui muitos problemas.

Carlos Simon, comentarista da arbitragem da ESPN

VAR mais rápido não é sinônimo de perfeição

Um dos motivos que faz as pessoas acreditarem que a arbitragem inglesa é melhor é a velocidade com a qual as análises do VAR são feitas. Porém, esse é justamente o tópico mais criticado pelos comentaristas da ESPN ouvidas pela PL Brasil. Isso porque ambos não veem vantagem em ter que tomar uma decisão rápida se ela não for acertada.

— O VAR é algo novo. Esse problema da velocidade, com o passar do tempo, vai acabar diminuindo em todos os lugares porque vão começar a trabalhar mais sistematicamente com essa ferramenta. Mas o mais importante é você acertar na decisão. Não adianta a decisão ser tomada no tempo curto e errar — opina Simon.

Renata conta que a velocidade do VAR na Premier League é explicada também por um fator cultural. De acordo com a comentarista, os ingleses veem a interferência da tecnologia como algo ruim e preferem evitar, o que pode acabar prejudicando o jogo e gerando erros.

— Os ingleses têm muito apego ao ‘futebol raiz’. Mudanças assim para eles é considerado um tabu gigantesco e o VAR também. Então, quanto menos eles utilizarem o VAR, para eles é melhor. Mas também não adianta você ter uma ferramenta que é feita para você legitimar o resultado e não usar bem. Então, para mim, a melhor frase aí é ‘a pressa é inimiga da perfeição’ — comenta a ex-árbitra.

Tela do Vitality Stadium mostra gol anulado do Burnley no VAR contra o Bournemouth na Premier League (Foto: Icon Sport)
Tela do Vitality Stadium mostra gol anulado do Burnley no VAR contra o Bournemouth (Foto: Icon Sport)

Não tem como você ter o VAR e utilizar de forma ‘meia boca’ porque você tem medo de quebrar barreiras, obstáculos, e avançar no esporte junto com a tecnologia.

Renata Ruel, comentarista da arbitragem da ESPN

Transparência e mudança cultural são o caminho para melhorias

Por causa das polêmicas de arbitragem que surgiram desde a primeira rodada do campeonato, a PL e a PGMOL passaram a produzir o programa “Match Officials: Mic’d Up” (Arbitragem: Microfone Ligado, em português), apresentado por Howard Webb, chefe operacional oficial da entidade, e pelo ex-atleta Michael Owen.

Inicialmente, ele foi compartilhado apenas no site da liga, mas agora é transmitido pelas emissoras “TNT” e “Sky Sports”, no Reino Unido, todas as terças-feiras à noite, no pós-rodada. A ideia é que o programa explique e discuta as decisões tomadas pela arbitragem nas últimas partidas, com base nos áudios revelados das equipes do VAR.

Confusão após gol do Manchester City - Icon Sport
Confusão após gol do Manchester City – Icon Sport

É uma iniciativa semelhante à que já é feita no Brasileirão. Além de a CBF revelar para o público as conversas entre arbitragem de campo e vídeo durante todas as revisões do VAR, há um programa semanal onde o presidente da Comissão de Arbitragem, o ex-árbitro Wilson Seneme, explica as decisões mais polêmicas da última rodada da liga.

Tanto Renata e Simon enxergam essa medida como algo positivo, desde que usada para aumentar a transparência, e não para justificar erros dos profissionais de arbitragem.

— Sempre é uma boa ideia se for algo sério, né? Se for algo com base em explicação séria, na regra, no contexto, nas orientações. Sem querer, vamos dizer assim, ‘passar pano’ para o que a gente viu que foi errado, sem querer justificar o erro. Eu acho que quando você tenta justificar o erro, você erra duas vezes. Então, se você vai, de forma séria, mostrando o porquê daquela decisão, se foi certa, se foi errada… isso só vem agregar ao futebol. Aumenta a transparência e a credibilidade — comenta Renata.

Além de investir na transparência, a comentarista acredita que melhorar o uso do VAR na Inglaterra é um caminho para diminuir os erros que têm ocorrido.

— É uma arbitragem que decide bem no campo. Mas, em lances que não consegue decidir bem no campo, o VAR fica com medo de interferir, de agir. E é um VAR com velocidade, que causa erros. Então, na Premier League, eu acho que falta muito ainda esse entendimento de VAR e campo — finaliza a ex-árbitra.

Maria Tereza Santos
Maria Tereza Santos

Jornalista pela PUC-SP. Na PL Brasil, escrevo sobre futebol inglês masculino E feminino, filmes, saúde e outras aleatoriedades. Também gravo vídeos pras redes e escolhi o lado azul de Merseyside. Antes, fui editora na ESPN e repórter na Veja Saúde, Folha de S.Paulo e Superesportes.