Quando a seleção inglesa ganhou a Copa do Mundo em 1966, o parceiro de Bobby Moore na zaga foi Jack Charlton — o que pouca gente teria previsto dois anos mais cedo. Jack se mediu contra o seu irmão muito mais habilidoso, Bobby Charlton. Esse, frisava o Jack, jogava muito, enquanto, continuava “eu não sei jogar futebol. Mas sei impedir os outros de jogar futebol.” Por isso ele era zagueiro, um “beque” dos velhos para combinar e complementar o refinado Bobby Moore.
Mas foi a sorte — ou mais especificamente jogos de azar — que abriu a porta para o Jack defender a seleção, o que fez pela primeira vez quando estava na beira dos 30 anos. Pode ser que sem um escândalo de apostas que explodiu no futebol inglês em 1964, as portas tivessem ficado fechadas.
O escândalo de apostas de 1964 no futebol inglês
Com 19 jogos pela seleção no início dos anos 60, Peter Swan, zagueiro do Sheffield Wednesday, era um forte candidato para defender a seleção naquela Copa. Alf Ramsey, o técnico da seleção inglesa, até falou que Swan estava no topo da sua lista. Mas, junto com dois companheiros de Wednesday, Swan cedeu para a tentação.
O jogo fatal era a visita ao Ipswich Town em dezembro de 1962. O Swan, o meio campista Tony Kay (outro com chances de pintar na seleção) e o atacante David ‘Bronco’ Layne entraram num esquema para apostar contra o seu próprio time. O Ipswich ganhou por 2 a 0. O Swan relatou que o rival ganhou bem, e ele não precisava fazer nada para fabricar o resultado — mas confessou que não sabia o que ele teria feito caso o Wednesday se encontrasse na frente no placar.
Um jornal ouviu boatos, foi investigar e em 1964 publicou a notícia. Os três jogadores passaram quatro meses na cadeia, e foram banidos do futebol para sempre — que na verdade acabou sendo sete anos. Tony Kay nunca jogou de novo. Peter Swan voltou para o Sheffield Wednesday — mas perdeu a grande fatia de uma carreira que já é curta –, e os dois perderam qualquer chance de se coroar campeões do mundo.
Foi cruel o tratamento que receberam esses jogadores? Bem, o esporte profissional não sustenta esse tipo de manipulação, então as penalidades têm que ser rigorosas para ter um efeito de dissuasão. É muito importante que se mande uma mensagem para outros jogadores: manipulação não vale a pena.
Não é tão difícil imaginar como, em 1962, um jogador inglês teria pensando diferente. Naquela época se ganhava pouco, o jogador com frequência era maltratado por seu clube, e ninguém tinha ouvido falar de um software capaz de detectar apostas manipuladas.
Mas hoje em dia? O jogador estabelecido da primeira divisão, no Brasil ou de uma grande liga da Europa, não deveria ter problemas e preocupações financeiras. O que quer dizer que, entrando num esquema, ele tem menos para ganhar e mais para perder em comparação com Peter Swan e companhia.
Porque acontece, então?
E me deixe frisar que torço para a inocência de todos citados, embora em alguns casos os fatos parecem preocupantes. Fica difícil acreditar em ganância. Mais provável que seja uma fraqueza e uma grande ingenuidade diante da pressão de ajudar os próximos.
Mas tem tanta coisa para perder, e não deveria haver esperança de perdão. As empresas de apostas fazem bastante para bancar o espetáculo, e não entram no jogo para perder dinheiro.
A verdade é que até hoje eu sinto pena de Peter Swan, Tony Kay e David Layne — das coisas que poderiam ter vivido, as histórias boas que teriam para contar para os netos. Deve ser difícil viver o auge da sua vida antes de alcançar 30 anos.