Joia precoce e moral com ídolo do Santos: como foi a vida de Ângelo até chegar ao Chelsea

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Um raio pareceu cair no Maracanã, no Rio de Janeiro, no dia 25 de outubro de 2020. Nada a ver com meteorologia –- era mais um menino da Vila estreando profissionalmente pelo Santos. Um menino quase no sentido literal da palavra: apenas 15 anos, dez meses e quatro dias; uma idade menor que a de Pelé quando o Rei vestiu a camisa alvinegra pela primeira vez.

Ângelo se tornou, naquela derrota por 3 a 1 para o Fluminense, o segundo atleta mais jovem da história a atuar pelo Peixe, atrás apenas de Coutinho. Era o primeiro capítulo de uma trajetória de altos e baixos no time paulista. Em quase três anos como profissional, foram 128 partidas, cinco gols e nenhum título. Ele deixou o clube oficialmente no último domingo (16), com 18 anos, vendido para o Chelsea.

A passagem talvez não tenha sido como ambos esperavam, mas terminou com juras de amor dos dois lados e uma promessa de “até breve”. Contando com o tempo de categorias de base, foram nove anos no Santos, metade da vida. O menino da Vila, agora, vai tentar a sorte na Inglaterra – do Brasil, levará a base familiar, o talento, as resenhas e as aulas de inglês que vinha fazendo.

Se o Cabeça não virar jogador, ninguém daqui vira

Ângelo passou a infância em Samambaia Norte, no Distrito Federal. Foi lá que começou a se destacar nas escolinhas de futebol. Para os amigos da época, o futuro jogador do Chelsea ainda era o Cabeça. Era fácil reconhecê-lo: sempre acompanhado dos pais e do irmão mais velho e exibindo uma alegria contagiante de menino levado.

Quando estava na categoria fraldinha, geralmente destinada a crianças de 7 a 9 anos, já era colocado para jogar com o pessoal mais velho, de 12 a 13. Dribles, gols e dancinhas, no melhor estilo brasileiro, era recorrentes nos campinhos de Brasília. Quem o via jogar sabia que sairia coisa boa dali; quem jogava junto, se assustava com uma possibilidade.

“Se o Cabeça não virar jogador, ninguém daqui vira”, comentavam os colegas de time. Cabeça era, nas palavras de Samuel Lopes, um dos amigos de infância, “absurdo, sobrava, muito fora da curva, muito acima da média”. Eles faziam parte da mesma escolinha de futebol, mas os caminhos profissionais foram opostos.

Ângelo na infância, embaixo (o quarto da esquerda para a direita), com os amigos do Distrito Federal (Foto: Arquivo pessoal)

Samuel não virou jogador de futebol. Ele é barbeiro em Brasília e segue amigo de Ângelo. É ele quem inova nos cortes de cabelo do jogador quando o Cabeça está na região.

— Ele vem na barbearia, mesmo. Jogador geralmente não gosta disso, pede para ir cortar no hotel. Ele, não. Vem tranquilo, corta o cabelo, conversa, resenha, paga um almoço. É um moleque muito humilde, não esquece de onde veio, fala com todo mundo de boa, nunca perdeu a essência — disse Samuel, à PL Brasil.

O jeito de Ângelo é o mesmo de quando era o “mascotinho” no Distrito Federal. “Sempre foi muito extrovertido, todo mundo gostava dele, enturmava com o pessoal de todas as categorias da escolinha”, destacou Samuel, que tem uma justificativa para isso: a base familiar.

— Vou levar o Dudu para a Europa — revelou Ângelo a Samuel. Dudu é Carlos Eduardo, o irmão mais velho, o único que não foi para Santos com ele por ter uma vida consolidada em Brasília. Na Inglaterra, porém, todos devem estar por perto.

Europa sempre foi sonho

Ângelo recebeu uma proposta do Flamengo em março deste ano. A fase ruim no Santos, acompanhada de críticas por parte da torcida, foi vista pelo clube carioca como uma boa oportunidade para recuperar o futebol do jovem promissor.

O valor agradou o Peixe, mas o jogador recusou a ideia. O motivo não foi apenas o amor pelo alvinegro praiano, mas também um plano de carreira: Ângelo sempre teve o sonho de jogar na Europa, e uma boa proposta de um time do Velho Continente haveria de aparecer em breve.

Ele sempre treinou e focou nisso. Quer jogar a Champions, jogar na seleção. É muito focado, se preparou — disse Samuel.

A preparação não é apenas psicológica e física. Ângelo tem feito aulas de inglês. O acerto com os Blues já vem desde o começo do mês. Será uma mudança de vida e uma chance de brilhar como não conseguiu em alguns momentos na Vila Belmiro.

Depois me cobre

Ângelo comemora gol pelo profissional do Santos (Foto: Iconsport)

No vídeo institucional de despedida de Ângelo, o próprio jogador definiu a passagem pelo Santos, no futebol profissional, como cheia de altos e baixos. Ele não se destacou como era esperado — há quem diga que a idade pesou; há quem diga que faltou oportunidade.

Em abril de 2021, com 16 anos, três meses e 16 dias, ele se tornou o jogador mais jovem da história a fazer um gol na Libertadores. O primeiro gol na Vila Belmiro, porém, aconteceu apenas há dois meses, no último dia 10 de maio, contra o Bahia. Os dois anos de diferença entre um fato e outro ilustram bem como foi a trajetória na equipe profissional.

Quem o viu antes, na base, garante que os apenas cinco gols em 128 partidas não definem o futebol de Ângelo. “Ele tem potencial para brilhar na Europa”, reitera Lima, ídolo do Santos, que dividia quarto com Pelé e ajudou a revelar Neymar, Diego, Ganso, Rodrygo e outros diversos meninos da Vila.

Lima conheceu Ângelo quando ele era apenas uma criança brincando de jogar futebol.

— Eu achava que ele deveria fazer um teste, porque apresentava um futebol maravilhoso. “Estamos perdendo tempo”, eu dizia. Quando fez, na metade do treino o técnico já gostou. Ele é tremendamente habilidoso — destacou, à PL Brasil.

Ângelo encara marcador em partida pelo profissional da Santos (Foto: Iconsport)

Lima reconhecia de longe o jeito molecão de Ângelo, que esperava somente uma chamada dele para entrar em campo e se divertir: “Pegue uma chuteira e entre, sei que você está louco para isso, mesmo”.

— Tinha brincadeira entre os meninos. Ele dava um drible e saía dando risada. Tem de tirar proveito dessa habilidade, ele tem uma facilidade para passar, driblar e atacar — disse Lima, um dos defensores da ideia de que Ângelo não foi bem aproveitado na equipe profissional.

— Faltou chance de jogar na verdadeira posição. Não adianta ter um Pelé e não saber posicioná-lo. Ele tem facilidade para o drible e para jogar em velocidade, não adianta mudar isso — afirmou.

O ídolo santista acredita que os ingleses vão se encantar com Ângelo. “Vão olhá-lo de outra forma. Se derem oportunidade, vai ficar para sempre”, disse, confiante.

Ele tem potencial. Precisa encarar essa oportunidade [no Chelsea] e pensar: “Vou provar que eles estavam errados”.

Os elogios de Lima a Ângelo, a quem descreve como “de uma simplicidade incrível”, não se restringem ao futebol. Ele mantém amizade com a família do jogador e vê gratidão no jovem atleta.

— Será a chance para ele aparecer. Tenho certeza que vai acontecer, será lembrado para a seleção brasileira. Depois me cobre — finalizou Lima.

Mais um torcedor levando o nome do Santos para o mundo

Ângelo não foi santista apenas dentro de campo. Ele viveu o clube, acompanhando jogos quando criança, e a cidade. Foi ao velório de Pelé usando uma camiseta em homenagem ao Rei. Recebeu o número 11 do ídolo Neymar. Se despediu do clube prometendo levar o nome da equipe para o mundo.

Os anos em que atuou pelo profissional não foram bons para o Santos, que chegou a brigar duas vezes contra o rebaixamento no Campeonato Paulista. Segundo pessoas próximas, a situação o incomodava profundamente.

— Ele ia apenas do treino para casa [nos momentos ruins]. Estava muito incomodado com a situação atual da equipe. Ele sabe da capacidade que tem e de alguns defeitos. Sempre tenta melhorar — disse Felipe Luzirão, que foi instrutor do atleta nas aulas de habilitação, que terminaram há dois meses.

À PL Brasil, o professor contou como acompanhou Ângelo nos últimos meses e o que viu da rotina do atleta, que chegava a parar as aulas para descer do carro e tirar foto com as crianças que o reconheciam.

— É um menino fantástico. Muito humilde, sempre dando risada e brincando. Foi um aluno disposto a ouvir e aprender. Fez até eu ir assistir a um jogo dele — disse.

— Ele ama uma resenha, é muito aberto a isso. Já vinha fazendo também as aulas de inglês, finalizando o visto para a pré-temporada do Chelsea nos Estados Unidos. Está muito focado — completou.

De Samambaia Norte para Londres

O Chelsea pagou 15 milhões de euros para contar com Ângelo. O valor, na cotação atual, é de cerca de R$ 80,8 milhões. O Barcelona tinha preferência na contratação, por um acordo com o Santos, mas não quis exercer.

Não é garantia de que o jovem atuará na Premier League já nesta temporada — há a possibilidade de ser emprestado a algum clube de outro país para se adaptar à Europa. A despedida do Santos foi com portas abertas para um possível retorno no futuro.

— Agradeço a Deus por tudo que vivi com o manto sagrado. Tivemos momentos de altos e baixos, mas tudo fez parte de um aprendizado. Agradeço a todos os meus técnicos, desde o primeiro na base ao último no profissional. Todos os companheiros e irmãos que fiz aqui — disse Ângelo.

— Agradeço principalmente a nossa amada torcida pelo apoio e paciência. Serei eternamente grato por tudo que o Santos Futebol Clube me proporcionou. Agora sou mais um torcedor levando o nome do Santos para o mundo. Como diz aquela frase: “Estarei com o Santos onde e como ele estiver”. Obrigado por tudo, Peixão. Eu te amo. Até breve — completou.

Daniel Servidio
Daniel Servidio