Andreas Pereira tem seu lado torcedor do Manchester United até hoje. É um fã de Cristiano Ronaldo que fica nervoso quando vê o ídolo do clube e provoca o rival quando joga contra, ainda que atualmente esteja no Fulham.
Sua trajetória durou uma década dentro dos Red Devils. Desde o sub-18, passando por diversos treinadores, frustrações, empréstimos e bons momentos. Chegou adolescente com o êxtase de uma oportunidade açucarada, e saiu um adulto, com o gosto amargo de uma passagem que poderia ter sido melhor — mas que não dependia só dele.
Em entrevista exclusiva à PL Brasil, cuja primeira parte vai ao ar hoje, o meia da seleção brasileira revelou detalhes do seu tempo em Old Trafford. Contou bastidores da relação com o clube e o que lhe fez deixar o Manchester United com um sentimento de que faltou carinho do lugar que chamou de casa por 10 anos.
O ‘relacionamento aberto’ com o Manchester United
O meia brasileiro nasceu na Bélgica, começou a carreira como jogador de futebol ainda criança, na Holanda, e chegou à Inglaterra adolescente. Saiu da casa dos pais e foi acolhido pelo United.
A relação começou bem: foi tricampeão inglês na base, destaque no sub-18 e sub-21, prêmios individuais e recebeu as primeiras oportunidades no time de cima aos 18 anos.
Curiosamente, sua estreia no profissional do United, em agosto de 2014, foi na fatídica eliminação para o pequeno MK Dons por 4 a 0 na segunda rodada da Copa da Liga. E o momento já era conturbado no clube em termos gerais, mas também era complexo para o jovem brasileiro.
— Eu cheguei no time principal com o (Louis) van Gaal. Era muito difícil para eu jogar porque, na época, tinha (no meio-campo) Rooney, Mata, Di Maria, Memphis tinha acabado de chegar… Não conseguia jogar nem na ponta, nem de meia e nem de volante, porque o Schweinsteiger tinha acabado de chegar também.
O ano foi, de fato, difícil para Andreas. Apesar de ser votado como o melhor jogador sub-21 do United na temporada 2014/15, o jovem meia atuou em apenas duas partidas durante toda a campanha: a contra o MK Dons e outra contra o Tottenham, substituindo Mata no fim do jogo da Premier League.
A relação começou a tomar um caminho que muitos jovens de potencial também encontram no futebol: empréstimos. Andreas revelou à reportagem o sentimento de ver muitos jogadores experientes no seu caminho e a “obrigação” de sair para poder jogar.
— É muito difícil você jogar num time grande, você tem que ter paciência e os jogadores (mais experientes) também querem ficar lá, querem jogar, querem aproveitar, e você não quer esperar quatro ou cinco anos, você quer jogar também. Então, você tem que sair emprestado.
A competição de Andreas no Manchester United
A temporada de estreia de Andreas Pereira nos Red Devils contou com um elenco cheio de jogadores nas suas possíveis posições.
Meio-campistas:
- Michael Carrick (33 anos)
- Ander Herrera (25 anos)
- Marouane Fellaini (27 anos)
- Tom Cleverley (25 anos)
- Anderson (27 anos)
- Darren Fletcher (31 anos)
- Juan Mata (27 anos)
- Shinji Kagawa (26 anos)
- Nick Powell (21 anos)
- Jesse Lingard (22 anos)
Pontas:
- Nani (28 anos)
- Wilfried Zaha (22 anos)
- Ángel Di María (27 anos)
- Adnan Januzaj (20 anos)
A cultura de imediatismo ‘atrasou’ o clube
O Manchester United sofreu e ainda sofre desde a saída de Sir Alex Ferguson, no fim da temporada 2012/13. Andreas estreou dois anos depois, na temporada 2014/15, e já viu efeitos de uma mudança de cultura. Ou, como José Mourinho disse anos depois no próprio clube, “herança futebolística”.
Na época, Mourinho falou sobre a herança do Manchester City: seus principais jogadores foram contratados há anos atrás. O United, por sua vez, seguia contratando novos jogadores, destaques em outros clubes, e deu pouca oportunidade aos mais jovens.
Durante a conversa com a reportagem, Andreas ocasionalmente voltava a falar de seus tempos em Manchester com carinho, mas admitiu que, do outro lado da moeda, faltou tato para o clube na forma como ele foi tratado.
— Com certeza (faltou carinho do Manchester United). Eu fiquei muito tempo lá, cheguei com 16 anos e fui embora com 26. Realmente eu senti um pouco de falta de carinho, de poder jogar na minha posição e mostrar realmente o porquê que eu estava no Manchester United.
Ele admitiu que, na sua visão interna do clube, acredita que os Red Devils acavam contratando jogadores demais. Por isso, querendo ou não, por ser dar base, acabou sendo deixado de lado — mas mesmo assim tentou sua oportunidade por 10 anos.
Os amigos de Andreas que ‘ficaram pelo caminho’
Não foi apenas o brasileiro que ficou chateado com o planejamento do United. Alguns de seus companheiros, que subiram da base com status de estrela, também tiveram um caminho parecido.
O exemplo mais recente foi o de Angel Gomes, meia que atualmente defende o Lille e foi convocado pela primeira vez para a seleção inglesa por Lee Carsley, depois de deixar Old Trafford sem grandes oportunidades.
Algumas das joias da base que foram vendidas, emprestadas ou até usadas pelo clube, mas que não receberam tanto destaque no time principal, incluem:
- Ravel Morrisson (3 jogos pelo clube)
- Michael Keane (5 jogos pelo clube)
- James Wilson (20 jogos pelo clube)
- Adnan Januzaj (63 jogos pelo clube)
- Angel Gomes (10 jogos pelo clube)
- Brandon Williams (51 jogos pelo clube)
- Anthony Elanga (55 jogos pelo clube)
— Eu acho que, em certas contratações, o clube poderia ter confiado mais nos jogadores da base. Em mim, no Angel (Gomes), McTominay, Lingard, nesses jogadores. Eles até jogam bem, mas depois, na primeira oportunidade que o clube tiver, já descarta — desabafou Andreas.
Existem os exemplos positivos, como Marcus Rashford, Kobbie Mainoo e Alejandro Garnacho, que mesmo jovens receberam oportunidades e permaneceram no clube. Mas são mais raros do que o normal.