Andreas Pereira: ‘Juan Mata me ajudou muito no Manchester United’

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Andreas Pereira é um exemplo claro do futebol moderno dentro de campo. Um meia que já jogou em praticamente todas as posições, poucos sabem qual a sua ideal e, com a “morte” do camisa 10, torna-se uma incógnita.

No Fulham, é um meia-atacante. Na seleção brasileira, segundo volante. No Manchester United, foi até ponta. E passou por todo o ciclo do jovem habilidoso: o que dribla bem demais para ser um, defende de menos para ser outro, mas se destaca se recebe a oportunidade.

Em entrevista exclusiva à PL Brasil, detalhou seus desafios para “se encontrar” em campo ainda na base do Manchester United e revelou conselhos de Juan Mata na sua trajetória.

Como é ser um camisa 10 na atualidade

Andreas Pereira não fez nenhuma parte da sua formação como jogador no Brasil. Começou na base do PSV, da Holanda, dos oito anos aos 16, quando se transferiu ao Manchester United.

O brasileiro era um dos grandes destaques do sub-18 e sub-21 dos Red Devils. Relembrou como atuava na base, com liberdade, no mais puro estereótipo do camisa 10. Mal defendia.

Foi assim que foi tricampeão com o sub-21, subiu ao time principal e foi eleito o melhor jogador do United abaixo de 21 anos na temporada 2014/15, quando fez sua estreia.

Andreas Pereira pelo Manchester United em 2020
Andreas pelo Manchester United em 2020 (Foto: Imago)

Na seleção de base da Bélgica, por exemplo, teve 11 gols em nove jogos pelo sub-16. Ao todo, foram 10 gols e sete assistências em 47 jogos pelo sub-21 do time inglês.

Mas a chegada ao time principal bateu forte. Se na NBA comenta-se muito sobre a rookie wall — uma barreira que os novatos enfrentam dada a diferença de nível –, Andreas enfrentou algo parecido. E principalmente pela sua posição.

— Para mim foi muito difícil, porque eu sempre na base joguei de 10. Quando a gente chega no primeiro time, você meio que vê essa posição, esse tipo de jogador, desaparecendo, porque os treinadores não querem mais, querem jogadores que sejam intensos. Preferem jogar com o meio-campo defensivo, jogar com dois atacantes…

O desabafo do brasileiro não foi em tom de reclamação, apenas uma constatação de um período de transição do esporte que o impactou diretamente. E é claro que, para um garoto dando seus primeiros passos no profissional, isso teria grande influência.

— Foi meio complicado, estava sumindo esse 10 tradicional e eu tive que me adaptar também, tive que mudar o meu jogo. Quando era mais novo, eu era mais um 10 tradicional, que pegava na bola e só. O que enfia a bola para os atacantes e só — lembrou o jogador.

“E, hoje em dia, eu estou correndo, ajudando a defesa, sendo mais intenso sem bola, coisas que um 10 tradicional não faria”.

A situação de Andreas no Manchester United e a superlotação

Durante a conversa com a reportagem, o atual meia do Fulham relembrou a árdua competição que tinha por uma vaga no meio-campo do Manchester United. Foi, inclusive, tema da primeira parte da entrevista.

Andreas pelo Manchester United em 2015 Mata
Andreas substituindo Mata, em 2015 (Foto: Imago)

Tamanha concorrência evidentemente fez com que o brasileiro precisasse se sobressair de alguma forma. Para além dos empréstimos que viriam depois, o meia acabou jogando em todas as posições, só para ter o gostinho de estar em campo.

— Acho que, por eu chegar muito novo na equipe principal no Manchester (United), eu joguei de ponta esquerda, ponta direita… Talvez não era minha melhor posição, mas era a que dava para jogar no momento e é óbvio que você vai falar que vai jogar. Você nunca vai falar que você não vai querer jogar nessa posição. Então você faz a função, mesmo que não seja a sua melhor.

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Mapa de calor de Andreas Pereira em LaLiga 2016/17, em seu primeiro empréstimo (Foto: Sofascore)

Emprestado, o brasileiro seguiu se distanciando da sua posição original. Primeiro ao Granada, foi migrando do meio para o lado e atuou majoritariamente pela esquerda.

No ano seguinte, quando foi cedido ao Valencia, se tornou claramente um ponta e atuou principalmente pela direita. Foi titular em 12 dos 23 jogos de LaLiga na temporada e participou de quatro gols.

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Mapa de calor de Andreas Pereira em LaLiga na temporada 2017/18 (Foto: Sofascore)

O conselho de Mata e Solskjaer

De volta aos Red Devils para a temporada 2018/19, Andreas teve mais oportunidades sob o comando de Ole Gunnar Solskjaer, que substituiu José Mourinho, demitido no meio da temporada.

No retorno, o brasileiro esteve mais próximo à sua posição original, mas ainda ficava no “quase”. Atuou principalmente como segundo volante, às vezes mais recuado. Na temporada seguinte, já completa com Solskjaer, teve seu ano mais proveitoso no clube — e é do norueguês que o meia tem mais carinho quando lembra disso.

— Também tiveram treinadores (que me ajudaram), o Solskjaer, quando chegou, falou para mim que eu tinha que ser mais intenso, que não tem jeito mais de um 10 tradicional jogar sem defender, ficar só ali esperando a bola chegar. Foi difícil, então eu comecei a perceber e a mudar.

Comecei a dar voadora no treino, voltar para marcar e aí eles já perceberam logo que eu queria mudar também“.

E a ajuda não se limitou às conversas com o treinador. Juan Mata, um dos meias de destaque da Premier League nos anos 2010, era o veterano que Andreas sempre buscava para pedir conselhos. E ele aprendeu com o espanhol.

— O Mata fazia essa posição no Manchester quando eu estava subindo, e a gente sempre conversava sobre isso. Como ele era um 10 tradicional, ele falava que cada vez ficava mais difícil até para ele jogar, e que eu precisava ser diferente. Aí eu comecei a perceber — contou o jogador à PL Brasil.

Os conselhos renderam bons frutos. Em 2019/20, seu último ano vestindo a camisa do Manchester United, esteve em 25 rodadas da Premier League e 18 delas como titular. Participou de quatro gols e seu mapa de calor mostra uma movimentação mais próxima do meia que esperava ser quando subiu da base.

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Mapa de calor de Andreas Pereira na Premier League 2019/20 (Foto: Sofascore)

Andreas Pereira, Flamengo e conexão com volta às raízes

Depois de um ano muito perto da titularidade total no United, Andreas acabou sendo emprestado à Lazio em 2020/21, mas teve poucas oportunidades na equipe inicial — apesar de jogar 26 rodadas da Serie A.

E foi em 2021 que o meia foi ao Flamengo, em um movimento inusitado — uma ida ao Brasil sem nunca ter atuado no país antes. Como um jogador brasileiro, habilidoso camisa 10 no próprio estilo sul-americano, nunca ter tido a experiência estereotipada no país?

— Eu acho que demorou um pouco para eu realmente jogar na minha função, como segundo volante, como 10 com com chegada à área, e foi quando eu comecei a jogar no Flamengo — admite à reportagem.

Andreas se aproximou da sua posição preferida jogando no Brasil. Teve seu momento de adaptação, mas, na prática, voltou às suas raízes da infância e adolescência, do armador nato. Em 2021, foram 18 rodadas disputadas no Brasileirão, 16 como titular, e seis participações em gols.

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Mapa de calor de Andreas Pereira no Brasileirão 2021 (Foto: Sofascore)

O meia foi um dos destaques da equipe no período em que passou emprestado, entre as temporadas de 2021 e 2022, quando deixou o Brasil para voltar à Premier League. Mais próximo da sua posição e feliz, deixou o United depois de 10 anos e encerrou um ciclo que muitos diriam que foi frustrante.

À PL Brasil, Andreas destrinchou as diferenças sobre seu posicionamento e principalmente o tratamento que recebeu no Flamengo em comparação ao United. Deu sua opinião sincera: nunca esteve completamente à vontade em Old Trafford, apesar de tudo.

— No United, eu não cheguei a ser um titular absoluto que jogava todos os jogos. Então eu acho que faltava isso lá para eu realmente me sentir 100% à vontade. No Flamengo, eu fui muito feliz, eu acho (que não deslanchei) também porque eu fiquei pouco tempo lá, fiquei só uma temporada, mas eu me senti muito bem também.

Maracana Stadium Andreas Pereira of Flamengo celebrates after scoring his goal against Fluminense during the Campeonato
Andreas Pereira comemora gol pelo Flamengo. Foto: IMAGO

O raumdeuter e destaque do Fulham

— Quando cheguei no Fulham, foi quando realmente comecei a jogar na minha posição. Quando eu jogo na minha posição, eu não preciso pensar para jogar, isso vem natural e aí você se sente muito mais à vontade e vem tudo com muita mais facilidade

Com a extinção dos camisas 10 como ficaram populares em anos anteriores, esses meias-atacantes e meias mais armadores, mas também intensos e móveis, passaram a agrupar características de diferentes posições e criar uma função específica, o raumdeuter.

A expressão foi levada a público por Thomas Müller, seu maior expoente, em 2011, e pode ser traduzida como algo relacionado à “quem procura por espaços”. Foi o modo que Müller usou para descrever o seu modo de jogo.

Andreas Pereira em jogo do Manchester City
Andreas Pereira em jogo do Manchester City. (Foto: IMAGO)

Para identificar um desses jogadores, basta pensar em que posição ele joga — se houver dúvida, está no caminho certo. Müller já foi e pode ser tudo: meia-atacante, segundo atacante, meia aberto, centroavante… assim como Andreas. Pouco importa a posição geográfica, mas sim a posição no ataque que o jogador ocupa partindo da sua área de atuação.

Em características técnicas, o raumdeuter não é um jogador que se destaca em praticamente nada. Müller não é veloz, nem um ótimo armador-passador, tampouco um exímio driblador, mas é um mestre em encontrar espaços. Esses jogadores não têm a liberdade no ataque como um camisa 10 clássico, mas se movem para onde a oportunidade puder ser melhor aproveitada.

Na Premier League, Dele Alli foi um exemplo na última década. Era difícil saber que posição Ali ocupa – não é um armador por si dizer, não é um driblador criativo para ser ponta, não tem o biotipo de um centroavante, mas sabe ocupar espaços liberados pelos companheiros.

Talvez nem o próprio Andreas Pereira se identifique como um camisa 10 atualmente. Nem como segundo volante, ou mesmo como um específico raumdeuter. Mas a verdade é que seu crescimento a partir da sua identificação das suas melhores características, é inegável.

“E no Fulham (estou bem) porque eu estou na terceira temporada, conheço todo mundo no clube e sei que eu posso fazer meu trabalho à vontade e ter a chance de mostrar quem que realmente sou dentro de campo e isso é confiança”.

Guilherme Ramos
Guilherme Ramos

Jornalista pela UNESP. Escrevi um livro sobre tática no futebol e sou repórter da PL Brasil. Já passei por Total Football Analysis, Esporte News Mundo, Jumper Brasil e TechTudo.

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