André e Liverpool: como o volante campeão pelo Fluminense poderia encaixar no time de Klopp

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O volante André foi um dos protagonistas da campanha do Fluminense que terminou com título inédito da Libertadores neste sábado (4), ao vencer o Boca Juniors no Maracanã por 2 a 1.

A partida histórica pode ter sido uma das últimas de André com a camisa tricolor. Revelado em Xerém, o volante de 22 anos é especulado há meses no futebol europeu e admitiu que recebeu “uma proposta irrecusável, pelo clube e pela liga” na última janela de transferências, cujo autor, de acordo com a imprensa inglesa, foi o Liverpool.

O brasileiro pode fazer parte da renovação do meio-campo dos Reds, que se livrou de peças como Fabinho, Henderson, Milner, Keita e Oxlade-Chamberlain para trazer Szoboszlai, Gravenberch, Mac Allister e Endo nos últimos meses.

É possível que o Liverpool ressuscite o interesse em André na próxima janela, marcada para janeiro, e que o Fluminense não consiga segurar seu craque, que já vai ter cumprido as missões de ganhar a Libertadores e disputar o Mundial de Clubes.

Por isso, a PL Brasil foi atrás de estatísticas para entender como o volante brasileiro se encaixaria no time da Premier League. Afinal, o que André poderia agregar e onde ele teria dificuldades no time de Jürgen Klopp?

André e Thiago Alcântara, perfis parecidos em patamares diferentes

O primeiro passo foi entender que André tem características muito parecidas com um jogador do elenco dos Reds: Thiago Alcântara. Ambos são volantes que gostam de jogar com a bola no pé, ideais para equipes que priorizam a posse de bola, muitos técnicos, mas baixos em altura e pouco físicos. A diferença é que o hispano-brasileiro tem uma longa experiência nas principais ligas europeias e 10 anos de idade a mais que o tricolor.

Até o momento, Thiago teve uma passagem mais marcada por lesões e problemas físicos do que grandes atuações em campo. Mas, olhando para trás, é preciso levar em conta o que o Liverpool queria quando pagou 22 milhões de euros pela sua contratação, em 2020.

Os Reds haviam acabado de vencer a Premier League de forma extraordinária, quebrando um jejum de 20 anos, com um estilo de jogo baseado na intensidade, pressão e transição, como Klopp gosta. Thiago, por outro lado, foi essencial para o título da Champions League do Bayern de Munique, que bateu o PSG na final.

A intenção com a contratação de Thiago era clara: ter uma alternativa na parte mais defensiva do meio-campo que fosse diferente de Fabinho e Henderson, mais físicos do que técnicos. O novo camisa 6 abriria o leque de opções entre as formações e encorparia o elenco. Poderia ser muito útil para achar espaço contra defesas bem fechadas, em jogos onde o Liverpool ficaria muito com a bola. Fora a experiência de ter jogado — e vencido — em grandes times do Barcelona, Bayern e seleção espanhola.

Thiago comemora título pelo Liverpool em 2021/22 (Foto: Icon sport)

A primeira temporada foi de adaptação, mas a segunda foi um sucesso. Thiago participou de 39 jogos em 2021/22, 26 deles como titular. Ele começou jogando as principais decisões, incluindo semifinais e finais de FA Cup e Champions League.

O 2021/22 do Liverpool foi, no geral, muito bom. O clube faturou “apenas” as duas Copas caseiras, mas chegou na final europeia e brigou pelo título da Premier League até a última rodada. Os Reds fizeram 92 pontos e perderam apenas dois jogos, o suficiente para ficar atrás do City, que terminou com 93 pontos.

Thiago participou de 25 jogos naquele Campeonato Inglês. Ele ficou entre os três melhores jogadores de todo o elenco nos critérios passes (1º), passes longos (2º), desarmes (2º), interceptações (3º) e interceptações no campo de ataque (3º).

Thiago na Premier League 2021/22

  • 78,4 passes por jogo
  • 5,8 passes longos por jogo
  • 1,1 interceptações no ataque por jogo
  • 1,7 desarmes por jogo

Com Alcântara, aquele Liverpool tinha números melhores do que a versão 2023/24, que ainda não teve o camisa 6 em campo. A versão de duas temporadas atrás tinha mais posse, maior média de passes, mais finalizações por jogo e pressionava melhor.

É superficial dizer que o time piorou porque Thiago não consegue mais jogar. Uma série de fatores explicam a decadência, principalmente física, entre a versão campeã da Premier League e a que sequer se classificou para a Champions. Mas também é inegável que o volante saudável faria diferença. Por exemplo, os Reds tiveram 74% de posse de bola contra o Luton Town sem que conseguissem criar chances o suficiente para vencer o jogo.

EstatísticasLiverpool na Premier League 2021/22 (média por jogo)Liverpool na Premier League 2023/24 (média por jogo)
Posse de bola63,2%57,3%
Finalizações6,75,4
Passes527,2498,5
Interceptações no ataque7,66,5

Além disso, chama a atenção que jogadores de outras posições tenham assumido o protagonismo nas estatísticas nas quais Thiago se destacou em 2021/22. Os líderes de passes certos do Liverpool atual são os zagueiros Konaté e Van Dijk. E quem mais soma interceptações no campo de ataque são jogadores mais ofensivos, como Curtis Jones, Cody Gakpo e Ryan Gravenberch. Sinais de quem nenhum atleta disponível no atual elenco cumpre a função do espanhol.

E onde entraria a promessa do Fluminense?

Falar da queda de desempenho a partir da ausência de Thiago é importante para entender onde André, um jogador mais novo e semelhante ao camisa 6, seria relevante para Klopp.

André é o primeiro volante do time com a maior média de posse de bola do Brasileirão. O Fluminense de Fernando Diniz troca menos passes por partida e pressiona de uma forma pior do que o Liverpool de 2021/22 mas, ainda assim, é o principal exemplo de jogo propositivo no futebol sul-americano atual.

E o jogador de 22 anos é titular absoluto e essencial para que o Flu jogue dessa maneira. André tem protagonismo nas mesmas estatísticas que Thiago tinha. Ele é quem tem a melhor média de passes certos no elenco e ainda lidera os números defensivos como interceptações e desarmes.

Até o mapa de calor do Thiago 2021/22 e o André 2023 são bem parecidos. Presença constante na zona central do meio-campo, com leve tendência à esquerda, e a função de organizar a base das jogadas de ataque.

Mapa de calor de Thiago na Premier League 2021/22 (Foto: Wycout)
Mapa de calor de André no Brasileirão 2023 (Foto: Wyscout)

Claro, há as diferenças de contexto. André frequenta mais a defesa porque Diniz às vezes o posiciona como zagueiro, seja para ajudar na saída de bola apoiada ou para tornar o time mais ofensivo, algo que Klopp não fez com Thiago na Inglaterra. Também se movimenta mais no jogo “anti-posicional” do treinador da seleção brasileira.

Tudo isso para defender uma conclusão: André pode ser um bom substituto para Thiago Alcântara no Liverpool. Enquanto o espanhol tem 32 anos, não consegue ficar bem fisicamente e só tem contrato até junho de 2024, o brasileiro está em ascensão e pronto para abraçar o desafio europeu.

Com o cria de Xerém, o Liverpool poderia voltar a ter uma opção diferente no meio-campo. Um volante técnico, com bom passe e enorme potencial, dedicado a enxergar as melhores opções nas origens das fases ofensivas. O passado já mostrou que, com esse tipo de jogar no elenco, o Liverpool competiu num nível maior que o atual.

André Fluminense
André, meio-campista do Fluminense (Foto: Icon Sport)

Fluminense no Brasileirão 2023

  • 61,3% de posse de bola média – 1º
  • 474,6 passes por jogo – 1º
  • 5,6 finalizações por jogo – 2º
  • 4,7 interceptações no campo de ataque – 3º

Pensando na formação atual, André jogaria centralizado na linha de três meio-campistas, no lugar onde Mac Allister vem atuando improvisado (e bem), e competindo com Wataru Endo, Bajcetic e o próprio Thiago. Jogadores mais físicos, como Szoboszlai, Gravenberch, Jones e Elliott complementariam bem o brasileiro atuando ao seu lado.

Ressalvas: intensidade do Liverpool (e da Premier League)

Mas todos os argumentos não garantem que André seria um sucesso como contratação dos hexacampeões europeus. Já é batido que, para um atleta se dar bem na Premier League (especialmente no meio-campo), a chave está na intensidade e no condicionamento físico.

Isso ainda é potencializado no Liverpool, um time cujo sucesso sob o comando de Klopp se baseou num meio-campo forte, rápido e versátil, no qual a pressão e a intensidade são fundamentais. O “gegenpressing” ou “futebol heavy metal” do alemão casa mais com os estilos de Dominik Szoboszlai e Mac Allister, por exemplo, do que com jogadores como André e Thiago.

Tanto que Alcântara fez apenas uma boa temporada em três anos que está em Anfield. O volante competiu nos melhores times e ligas do mundo, teve grande sucesso na carreira e, mesmo com uma capacidade técnica fora do normal, dá sinais que, com o passar dos anos, não aguenta mais a fisicalidade exigidas pelo time e pelo campeonato onde joga.

À parte a questão da idade, André teria problemas parecidos. O volante brasileiro não tem muitas valências físicas e nunca foi exigido num futebol com nível maior e mais intenso que o futebol na América do Sul. Isso requereria paciência e tempo de adaptação caso vá para a Premier League.

EstatísticasThiago na temporada 2021/22 (média por jogo)André na temporada 2023 (média por jogo)
Passes78,477,1
Passes longos5,83,5
Interceptações no ataque1,10,3
Desarmes1,71,5

Volantes brasileiros que fazem sucesso na Inglaterra têm experiências europeias anteriores à atual. Douglas Luiz jogou na Espanha antes de liderar o Aston Villa e Bruno Guimarães passou pela França antes de virar ídolo no Newcastle.

João Gomes e Danilo chegaram diretamente do Brasileirão, mas acumulam minutos em times menos competitivos — Wolves e Forest. Andrey Santos, jogador com características parecidas com André, não teve espaço no Chelsea e foi emprestado ao Forest, onde tampouco ganha minutos.

Ao menos conta a seu favor que os Reds não têm uma urgência na posição após as chegadas de Endo e a surpreendente boa adaptação de Mac Allister, o que facilitaria o período de transição para a Premier League.

Klopp em jogo do Liverpool (Foto: Icon Sport)
Klopp é adepto do ‘heavy metal football’ (Foto: Icon Sport)

Por fim, a adaptação de André ao Liverpool passaria não só pelo ritmo mais intenso, como também pelo estilo de jogo da própria equipe. O perde-pressiona no campo ofensivo é característica inegociável do time de Klopp, independente de quem esteja em campo. E o brasileiro não tem o costume de fazer isso no Fluminense.

Harvey Elliott, o jogador do Liverpool com melhor média de interceptações no campo de ataque, rouba 2,2 bolas por jogo. Curtis Jones tem 1,3; Gakpo tem 1,2; e Mac Allister tem 1,1. O número do argentino é igual ao de Thiago durante a temporada 2021/22.

Já André cumpre um papel diferente sem a bola. Ele é líder em desarmes do Fluminense, mas não vai pressionar no campo de ataque. Tanto que tem apenas 0,3 interceptações na metade ofensiva por jogo do Brasileirão 2023. É uma média menor que Joe Gomez, lateral/zagueiro do Liverpool.

Com todas as ressalvas, André tem um futuro que precisa passar pelos melhores times do mundo, como o próprio já declarou que é seu sonho, e o Liverpool em reconstrução é uma ótima porta aberta. Seria interessante ver como Klopp encaixaria o brasileiro entre as suas soluções. Mais conclusões, só quando (ou se) ele vestir vermelho.

Diogo Magri
Diogo Magri

Jornalista nascido em Campinas, morador de São Paulo e formado pela ECA-USP. Subcoordenador da PL Brasil desde 2023. Cobri Copa América, Copa do Mundo e Olimpíadas no EL PAÍS, eleições nacionais na Revista Veja e fui editor de conteúdo nas redes sociais do Futebol Globo CBN.

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