“All or Nothing: Manchester City”: série é um mergulho no trabalho de Guardiola

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Talvez o torcedor do Manchester City queira relembrar a já histórica temporada de 2017/2018, quando o clube se sagrou campeão da Premier League com 100 pontos, 106 gols e 19 pontos à frente do rival Manchester United. Se for o caso, a série documental “All or Nothing: Manchester City” é a pedida perfeita.

Em oito episódios (que variam entre 45 e 50 minutos) aquela temporada é destrinchada em detalhes.

Mais do que reviver a jornada dos Citizens ao título impecável da Premier League e da Copa da Liga (passando pelas eliminações na Champions League e na FA Cup), “All or Nothing” é uma oportunidade de entender o quão detalhista é o trabalho de Pep Guardiola.

Com os registros privilegiados de dentro dos vestiários, salas de preleções e campos de treinamentos, fica claro que o treinador é um profissional trabalhador, exigente e tem total controle de seu grupo.

A série está disponível no serviço de streaming Prime Video, da Amazon.

O controle de Guardiola

A série é muito boa por vários motivos. Seja pela qualidade das imagens registradas, as estrelas do elenco falando sem muita autocensura, a relação amistosa entre atletas e funcionários ou as gravações feitas com alguns jogadores em suas casas (como acontece com Sergio Agüero e Fernandinho).

Mas aquilo em “All or Nothing” que mais vai cativar a todos os que se interessam por futebol, não apenas aos torcedores do Manchester City, é a maneira como o trabalho de Pep Guardiola no dia-a-dia é mostrado.

A série apresenta um Guardiola elétrico, ansioso e obcecado por detalhes. Nas viagens do Manchester City (sejam de trem ou avião) o assento ao lado do catalão é reservado para seu computador e suas inúmeras folhas de papel. Ele está constantemente se preparando para as partidas.

Manchester-City-Pep Guardiola Clive Brunskill Collection Getty Images Sport 2
Clive Brunskill Collection Getty Images Sport 2

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O treinador confia nas informações trazidas por sua equipe de análise e em seus assistentes para complementar suas preparações. “Eu confio muito no analista e ele me diz que está preocupado com a forma com que o Crystal Palace joga”, ele diz aos jogadores no vestiário, após um jogo da Premier League.

A maneira como o técnico lida com seu elenco também é outro ponto bastante interessante. “Lá fora eu vou defender vocês sempre, mas aqui dentro eu vou lhes dizer a verdade”, disse Guardiola para seus jogadores dentro do vestiário. Ele se referia a como nunca iria os criticar individualmente para a imprensa, mas que iria, sim, cobrá-los internamente sempre.

É exatamente o que ele faz. “Hoje vocês fizeram um aquecimento de merda”, disse aos atletas antes do início de um jogo.

“Não adianta fazer cara feia! Lá fora vocês podem até me odiar, mas aqui dentro eu sou o chefe e eu que decido”, esbravejou ao anunciar substituições que faria no intervalo de uma partida.

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Mas Guardiola é o primeiro a fazer elogios após vitórias e a oferecer consolo dentro do vestiário logo após um tropeço significativo. É a busca por um equilíbrio que mantenha a confiança do grupo nele.

Em outro momento interessante da série, o técnico do Manchester City conversa com Mikel Arteta (um de seus assistentes) sobre como lidar com Raheem Sterling sobre as chances de gol que ele vinha desperdiçando. Era preciso fazê-lo entender o problema sem tirar sua confiança. Parece ter dado certo, já que o atacante foi um dos destaques da campanha do time.

Mesmo com muitos pontos de vantagem na liderança da Premier League Guardiola não deixa de cobrar atenção e intensidade dos atletas durante os treinos.

“Estão cansados? Vão se foder! Vocês ainda não são campeões”, ele esbraveja durante uma sessão de treinamento.

Os detalhes aos quais o treinador se atenta não são apenas técnicos. Ele também se preocupa em entender a cultura do clube e quais são as coisas mais importantes para sua torcida. Isso fica claro na série quando ele vislumbra a possibilidade real de confirmar o título da Premier League na 33ª rodada, em casa, diante do Manchester United.

Ele entendia muito bem o que significaria para a torcida ganhar o campeonato em um jogo contra o maior rival, que durante décadas foi muito mais poderoso do que o City. Guardiola começou a falar dessa importância ao seu elenco com semanas de antecedência.

No jogo, o Manchester City fez 2 a 0 no primeiro tempo (e teve chances de fazer bem mais). A série então mostra uma entrevista com um torcedor já idoso do City, durante o intervalo, emocionado, dizendo que confirmar o título naquele dia, em cima do United, seria o momento mais feliz de sua vida.

Mas o time fez um segundo tempo ruim e tomou a virada inesperada. A derrota gerou tensão entre alguns jogadores no vestiário. Guardiola agiu como pacificador e acalmou as coisas. As broncas e cobranças viriam nos próximos dias, com os ânimos mais calmos.

Em busca dos 100 pontos

Com o título da Premier League assegurado com antecedência, Guardiola reúne seus jogadores antes de uma nova sessão de treinos para lhes apresentar uma nova meta, ainda para aquela temporada: atingir os 100 pontos.

Foi a maneira que o técnico encontrou de manter o elenco focado e interessado nas rodadas finais. “Eu não vou cobrar vocês por isso”, explica Guardiola a seus atletas sobre a busca pelos 100 pontos. Mas ele os convenceu de que atingir tal pontuação seria interessante pelo contexto histórico.

O Manchester City conseguiu atingir os 100 pontos, na última rodada, em um jogo difícil contra o Southampton, fora de casa. Gabriel Jesus marcou o gol da vitória já no fim da partida.

A série mostra o quanto esse feito foi celebrado por todos dentro do vestiário. Era a certeza de estar fazendo parte de algo muito importante.

Grande para sempre

Mostrar que o Manchester City não é apenas um comprador de grandes jogadores parece ser um outro objetivo da série. Através de imagens de sua estrutura e de entrevistas com seus diretores, “All or Nothing” deixa claro que o clube está pronto para seguir crescendo e se estabelecer como um dos grandes do mundo.

O proprietário do City, Sheikh Mansour Bin Zayed Al Nahyan, de fato parece não ter muito conhecimento, ou interesse, em futebol. Não é o caso de Khaldoon Al Mubarak, atual presidente.

Mubarak demonstra ter total entendimento do que o City era, do que é e do que pretende ser (e do que precisa fazer para chegar lá).

Não são apenas atletas e treinadores de ponta que são contratados. O clube se cercou de profissionais de alto calibre em todos os níveis (incluindo executivos).

A série procura mostrar detalhes de como o Manchester City cresceu, não apenas como equipe de futebol, mas também como clube. A maneira como é feita a preparação física, o tratamento de lesões, a integração com as categorias de base. Tudo isso é mostrado em detalhes ao longo dos oito episódios.

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Também é detalhado como é feita uma contratação na janela de inverno da Inglaterra. Ao contrário do que muitos podem imaginar, o clube não abre a carteira e traz qualquer jogador que Guardiola pedir.

O treinador informa a necessidade de contratar. No caso, um zagueiro, devido ao alto número de lesões no setor defensivo. Ele também passa as características técnicas e físicas que quer do atleta. O setor financeiro informa à diretoria de futebol o valor máximo que será disponibilizado para a janela.

A partir daí são buscados nomes que se encaixem no orçamento e no que Guardiola quer. As possibilidades são avaliadas pelo treinador, que dá a palavra final. Só então acontece a negociação.

A contratação em questão é a do zagueiro francês Aymeric Laporte. O mesmo cuidado e planejamento acontece com relação as renovações de contratos.

“All or Nothing: Manchester City” é uma série muito bem feita. A história da temporada é contada de maneira fluida e com bastante detalhes. Um espetáculo de imagens exclusivas, sejam das internas do clube ou de diferentes ângulos de lances dos jogos.

É um mergulho na maneira como trabalha um dos maiores técnicos do mundo, bem em como funciona um clube de futebol que compete em alto nível.

Bruno Desidério
Bruno Desidério

Jornalista. Paulista que mora no Rio de Janeiro. Futebol e música são meus negócios