A outra vez em que o Watford decidiu a Copa da Inglaterra

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Ao enfrentar o Manchester City em Wembley neste sábado, o Watford decide pela segunda vez em sua história a Copa da Inglaterra. O clube sonha com um desfecho mais favorável do que o de sua primeira final, em 1984.

De todo modo, aquela vez remete a um momento especial em Vicarage Road. O time presidido pelo famoso cantor pop inglês Elton John e dirigido por Graham Taylor escalara as divisões inferiores da liga até estrear na primeira divisão em 1982/1983.

Foto: The Times

E fez história. Embora seu estilo de jogo bastante direto nem sempre agradasse a todos, o time de pretensões modestas terminou a temporada como vice-campeão inglês, só atrás do poderoso Liverpool, e revelou talentos como o ponta-esquerda John Barnes.

Ao fim daquela campanha, porém, o elenco sofrera baixas significativas no ataque, com três peças vendidas ao exterior. A maior era o goleador Luther Blissett, que após se sagrar artilheiro da liga com 27 gols e chegar à seleção, foi comprado pelo Milan por 1 milhão de libras.

Além dele, o norte-irlandês Gerry Armstrong foi vendido ao Mallorca e o veterano e grandalhão Ross Jenkins foi jogar em Hong Kong. Para repor as perdas, Graham Taylor trouxe dois escoceses: Maurice “Mo” Johnston (ex-Partick Thistle) e George Reilly (ex-Cambridge United).

Foto: Reprodução Twitter

O elenco também ganhou profundidade em outros setores, com a contratação de nomes como o lateral-direito David Bardsley (ex-Blackpool e que nos anos 1990 chegaria à seleção), além de outros promovidos das categorias de base.

NA LIGA, UM MOMENTO DIFÍCIL

O começo da temporada 1983-84, no entanto, foi bastante decepcionante. Ao fim de novembro, o clube ocupava a penúltima colocação na liga, com apenas duas vitórias em 15 jogos. Também fora eliminado pelo Huddersfield, da segunda divisão, na Copa da Liga.

E no começo de dezembro, uma goleada de 4 a 0 para o Sparta Praga na capital tcheca encerraria a campanha na Copa da Uefa, após ter despachado os alemães-ocidentais do Kaiserslautern e os búlgaros do Levski Sofia nas etapas anteriores.

Uma breve reação no fim de 1983, impulsionada pela chegada de Mo Johnston, fez o Watford pular algumas posições e entrar no ano seguinte na 17ª colocação.

E antes de estrear na FA Cup, vinha de vencer o Tottenham em White Hart Lane por 3 a 2, no dia 2 de janeiro. Era a preparação para encarar o rival Luton Town pela taça.

NO PRIMEIRO EMBATE, UM DERBY

Os dois clubes de localidades vizinhas nas franjas da região metropolitana de Londres viviam na época o auge de sua rivalidade, transportada para a primeira divisão a partir de 1982, quando os dois subiram juntos para a elite.

Os Hatters, dirigidos por outro treinador promissor, David Pleat, também se mostravam um osso duro de roer aos grandes da liga inglesa, com um estilo mais de bola no chão e troca de passes, diferente da bola longa do Watford.

Foto: Watford Observer

De qualquer modo, os embates entre os dois quase sempre resultavam em muitos gols. E na FA Cup foi assim: em Kenilworth Road, empate em 2 a 2, marcando Emeka Nwajiobi e Brian Stein para o Luton e John Barnes e Mo Johnston, de pênalti, para o Watford.

No replay, em Vicarage Road, novo empate no tempo normal. Após abrir 2 a 0 e 3 a 1, os Hornets permitiram o empate do rival com dois gols de Paul Walsh, e a decisão foi para a prorrogação.

Aos quatro minutos da segunda etapa do tempo extra, um gol de Mo Johnston após escanteio deu a vaga ao time de Graham Taylor, que na fase seguinte não teve tanto trabalho para eliminar o Charlton, mesmo atuando fora de casa.

A CAMPANHA SEGUE

A vitória por 2 a 0 no estádio de The Valley, em Londres, teve novamente Mo Johnston como um dos heróis. O atacante abriu o placar, enquanto George Reilly deu números finais à vitória, que levou o time a enfrentar o Brighton.

Os Seagulls haviam chegado à final da taça no ano anterior e quase surpreenderam o Manchester United. Mas a derrota, combinada com a queda da primeira divisão, fez com que a equipe se abatesse, embora formada por muitos nomes experientes.

Naquela tarde de 18 de fevereiro, a dupla de frente Johnston-Reilly novamente colocou o Watford dois gols à frente no placar. Danny Wilson descontou de pênalti, mas Kenny Jackett fechou a vitória de 3 a 1 no fim.

Foto: Reprodução / Programa oficial

Nas quartas de final, em março, o adversário seria o Birmingham, que, embora terminasse aquela temporada rebaixado para a segunda divisão, era um adversário duro de ser enfrentado em St Andrew’s.

Mas John Barnes, em excelente atuação, tratou de silenciar a barulhenta torcida local com um golaço, driblando dois adversários e encobrindo o goleiro Tony Coton. Os Blues, porém, empatariam num erro de Steve Terry, desviando um cruzamento contra as próprias redes.

O Watford, porém, passaria de novo à frente no placar num chutaço de Les Taylor. E fecharia a contagem novamente com Barnes, tocando para o gol depois que um lateral cobrado para a área do Birmingham foi escorado por Johnston e Reilly.

ENTRE OS QUATRO

Pela primeira vez desde 1970 (quando, após eliminar o Liverpool, caiu diante do Chelsea com goleada de 5 a 1 em White Hart Lane) e apenas pela segunda vez em sua história, os Hornets chegavam à semifinal da FA Cup. Porém, o adversário era um azarão ainda maior.

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Era o Plymouth Argyle, então apenas o 18º colocado na terceira divisão, mas que vinha fazendo estragos na taça. Eliminara o West Bromwich Albion e o Derby County vencendo fora de casa para chegar à primeira semifinal de sua história.

O jogo aconteceu no Villa Park em 14 de abril. E o Watford espantou a zebra vencendo por 1 a 0, graças a um gol de Reilly, de cabeça, após cruzamento da esquerda feito por Barnes.

Naquela ocasião, o Watford já havia se aninhado no meio da classificação na liga e começava a viver de uma certa “gordura” acumulada nos primeiros meses de 1984, já que o elenco vinha sofrendo uma crise de lesões.

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O problema era tratado com bom humor por Graham Taylor, que chegou a mandar publicar nos jornais um anúncio oferecendo vagas no time a pessoas “entre 18 e 80 anos”, de preferência “com dois braços e duas pernas em bom estado de funcionamento”.

O RIVAL NA FINAL

Adversário na decisão, o Everton fazia uma temporada de recuperação. Nos primeiros meses, a persistente má campanha na liga quase levou à demissão do técnico Howard Kendall, ex-jogador e antigo ídolo do clube.

Os Toffees estiveram às portas de uma eliminação vexatória diante do Oxford United nas quartas de final da Copa da Liga. Mas um gol de empate marcado nos últimos minutos após um erro da defesa adversária levou tudo para um replay.

Foi o momento da virada. O Everton goleou o Oxford por 4 a 1, despachou o Aston Villa nas semifinais e fez jogo duro com o rival Liverpool na final, perdendo só no replay em Maine Road.

Com a campanha na liga se estabilizando, o time avançava na FA Cup graças em grande parte aos gols de seu novo artilheiro, o escocês Andy Gray, trazido do Wolverhampton em novembro de 1983 (e que, por isso, não pôde participar da campanha na Copa da Liga).

No caminho até a final, os Toffees deixaram para trás Stoke, Gillingham, Shrewsbury, Notts County e, na semifinal, o Southampton, batido por 1 a 0 na prorrogação no campo neutro de Highbury com gol de Adrian Heath.

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A DECISÃO

A grande final – que chegou a ser transmitida para o Brasil pela TV Globo na época – veio no dia 19 de maio. Os 100 mil torcedores presentes ao velho estádio de Wembley eram o maior público para o qual o Watford já havia jogado em sua história no futebol inglês.

Ao ver seu sonho realizado, Elton John não aguentou a emoção e chorou feito criança quando o time pisou a grama sagrada do lendário palco britânico. Mas ainda faltava a bola rolar.

Graham Taylor manteve praticamente o mesmo time da semifinal contra o Plymouth, começando com Steve Sherwood no gol, David Bardsley e Paul Price (substituto do titular Wilf Rostron) nas laterais e Steve Terry e Lee Sinnott no miolo de zaga.

No meio, a única alteração era a volta do galês Kenny Jackett, que ficara de fora da semifinal. Les Taylor era o outro jogador da faixa central do setor, com Nigel Callaghan e John Barnes pelas pontas. Na frente, Mo Johnston e George Reilly.

Durante a partida, o Everton jogou melhor e atacou mais. Mas o Watford levou muito perigo nos contra-ataques. Criou chances com Barnes (que travou grande duelo com o lateral Gary Stevens) e com Les Taylor, perigoso nos chutes de fora da área.

Leia também: Quais clubes ingleses que já foram rebaixados?

Mas os Toffees abriram o placar aos 38 minutos. O meia Kevin Richardson foi lançado na ponta esquerda, cruzou para a área e a zaga afastou. Gary Stevens recuperou e bateu enviesado de fora da área. Seu chute parou nos pés de Graeme Sharp que, dentro da área, tocou para as redes.

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E logo aos seis minutos, o Everton ampliaria. Trevor Steven desceu pela direita e cruzou alto. Steve Sherwood pareceu ter alcançado a bola, mas Andy Gray subiu e dividiu pelo alto, testando para as redes. O goleiro ainda tentou protestar, mas o gol foi validado.

No fim, o Watford chegou a descontar, mas o gol de cabeça de Mo Johnston acabou anulado por impedimento. Mesmo com a derrota consumada, os milhares de torcedores dos Hornets presentes não deixaram de desfraldar suas bandeiras e reconhecer o momento histórico.

Do outro lado, a torcida do Everton fazia uma bem-humorada brincadeira com o dono do rival, estendendo uma faixa que dizia: “Sorry, Elton. I guess that’s why they call US the Blues”, numa referência a um grande sucesso recente do cantor.

Três anos depois, ainda com Elton John na presidência e Graham Taylor no comando do time, o Watford voltaria a uma semifinal da FA Cup. O time eliminaria Maidstone United, Chelsea, Walsall e Arsenal, antes de cair para o Tottenham.

No novo século, o time alcançaria a fase semifinal da competição outras três vezes. Em 2003, 2007 e 2016, foi batido, respectivamente, por Southampton, Manchester United e Crystal Palace. Até enfim retornar agora, 35 anos depois, à decisão do torneio.

Emmanuel do Valle
Emmanuel do Valle

Jornalista de Niterói, formado pela Universidade Federal Fluminense e com passagens por Agência EFE, Jornal dos Sports, Lance! e TV Globo. Atualmente, também colaboro com o site Trivela, além de outros projetos. Pesquisador voraz da história do futebol nacional e internacional.