Há 15 anos, o Millennium Stadium, em Cardiff, Arsenal e Manchester United disputavam o título da Copa da Inglaterra. E aquele jogo, realizado no País de Gales por conta das reformas em Wembley (assim aconteceu em todas as finais de Copa entre 2001 e 2006), acabou entrando para a história pelo que simbolizou tempos depois.
Poucos imaginavam, mas aquela seria a última conquista da geração dos Invincibles do Arsenal. E uma década e meia depois, os Gunners ainda buscam voltar aos momentos de glória – de lá para cá, foram apenas três Copas da Inglaterra conquistadas e nada mais.
Quinze anos depois daquele 21 de maio de 2005, a PL Brasil relembra um pouco daquele título e do que aconteceu para que o Arsenal jamais recuperasse tal forma.
O título do Arsenal da Copa da Inglaterra de 2005

Aquele jogo foi um marco não apenas pelo fato já citado. Foi também até hoje a última decisão entre Arsenal e Manchester United, e virou um símbolo do fim da grande rivalidade entre os clubes nos anos 1990 e 2000.
Os principais indicativos disso foram as saídas de seus capitães e grandes rivais dentro de campo após aquele jogo: Patrick Vieira foi do Arsenal para a Juventus, e Roy Keane deixou o Manchester United rumo ao Celtic.
O jogo em si foi de superioridade do United. Os atuais campeões até então chutaram oito bolas no alvo, contra apenas uma do Arsenal. Os Red Devils criaram chances durante os 90 minutos do tempo normal e os 30 da prorrogação, mas os Gunners, sem o lesionado Thierry Henry e com uma formação defensiva, se seguraram como puderam.
A decisão então foi para os pênaltis. E os comandados de Arsène Wenger superaram os de Sir Alex Ferguson por 5 a 4. Os londrinos acertaram todas as cobranças, com Lauren, Fredrik Ljungberg, Robin van Persie, Ashley Cole e Vieira.
Do outro lado, Ruud van Nistelrooy, Cristiano Ronaldo, Wayne Rooney e Keane acertaram, mas Paul Scholes teve seu chute defendido por Jens Lehmann. Na última cobrança, coube justamente a Vieira converter e dar o 10º título da Copa da Inglaterra ao Arsenal.
Disputa de pênaltis na final da FA Cup de 2005:
🗓 May 21, 2005: We beat Manchester United on pens to win the FA Cup 🏆😃 pic.twitter.com/PaOU9FYCdR
— Arsenal (@Arsenal) May 21, 2018
Aquela realmente foi uma final diferente, também por causa do estilo adotado por Arsène Wenger, mais focado na defesa e prendendo o jogo. Quem falou sobre isso depois da partida foi o meia Robert Pirés.
“Wenger decidiu mudar o esquema para o 4-5-1. Foi diferente. A gente se acostumou a ganhar marcando muitos gols, mas desta vez ganhamos por sermos fortes mentalmente e defensivamente. A única forma de ganhar esta final era nos pênaltis”, disse o francês.
Desmanche do elenco
O elenco dos Invincibles, gravado na cabeça de qualquer torcedor até hoje, permaneceu inteiro para a temporada 2004/2005. Mas após esse títulos, o famoso 11 titular do Arsenal foi se desmanchando aos poucos.
Para 2005/2006, como já citado, Vieira foi para a Juventus. Já antes da temporada 2006/2007, após a derrota na final da Champions League para o Barcelona, Dennis Bergkamp se aposentou, Pirés foi para o Villareal, Ashley Cole saiu de forma polêmica para o Chelsea e Lauren e Sol Campbell se transferiram para o Portsmouth.
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Na janela de verão seguinte, a marcante saída de Thierry Henry para o Barcelona foi o destaque, mas Ljungberg também foi embora para jogar pelo West Ham. E nas duas temporadas seguintes, Jens Lehmann foi para o Stuttgart, Gilberto Silva para o Panathinaikos e Kolo Touré para o Manchester City.
A saída de Touré foi a última, em julho de 2009. Ou seja: em quatro anos, todo o 11 titular do time que levou o título invicto da Premier League em 2003/2004 deixou o Arsenal. Uma nova geração assumiu em busca de uma reestruturação, mas até hoje, entre altos e baixos, os Gunners ainda buscam a conclusão desse processo.
O que aconteceu com o Arsenal?
Tal desmanche, entretanto, não é o único fator que explica a derrocada do Arsenal. Os problemas pelos quais o clube londrino vem passando nos últimos anos são justificados por várias questões, sejam dentro ou fora de campo.
Não dá para começar sem falar de Stan Kroenke. O bilionário estadunidense, que também é dono de franquias nos EUA (como o Los Angeles Rams na NFL, Denver Nuggets na NBA, Colorado Avalanche na NHL e Colorado Rapids na MLS), começou a fazer parte do Arsenal em 2007. Na ocasião, a Kroenke Sports & Entertainment (KSE Inc UK), comprou 9,9% das ações do clube.
De lá para cá, sua participação foi só aumentando. Ele começou a fazer ofertas em 2011 para ficar com 100% do clube, e lá já chegou a alcançar a maioria, com 62% das ações. Em 2018, enfim ele conseguiu: comprando a parte do oligarca russo Alisher Usmanov por 600 milhões de libras, Kroenke passou a controlar 100% da Arsenal Holdings PLC.

A torcida não ficou nada feliz, visto que Kroenke está muito, mas muito longe de ser um dono amado. Além da falta de transparência na divulgação de dados financeiros, os poucos investimentos no clube de futebol têm deixado o Arsenal na mão.
Para se ter uma ideia, segundo dados revelados pelo site Football London, ao analisar as contas do clube, até a temporada 2017/2018 o valor injetado nos cofres do Arsenal por parte da empresa de Kroenke foi de zero. Nenhum centavo em uma década, seja em ações ou financiamento de dívidas.
Ou seja, todo o dinheiro que circulou no Arsenal nos últimos anos veio de seus próprios ganhos (principalmente em três pilares: bilheteria, comercial/marketing e direitos de televisão).
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Ainda segundo a Football London, para efeito de comparação, desde que o Manchester City foi comprado em 2008, os donos dos Citizens injetaram cerca de 1 bilhão de libras em seus cofres. A falta de investimentos é totalmente oposta à fortuna de Kroenke – que segundo a Forbes, é avaliada em impressionantes 10 milhões de dólares.
E também é oposta a investimentos de Kroenke em outras áreas. Para se ter uma ideia, em 2016, ele comprou um rancho no Texas avaliado em 500 milhões de libras. A área era equivalente a três vezes o tamanho de Los Angeles, e à época da compra ele se tornava o nono maior proprietário de terras dos Estados Unidos.
Já mais recentemente, em maio de 2020, ele novamente apareceu nos noticiários. Como já citado, Kroenke é dono do Los Angeles Rams na NFL, e terá um novo estádio, o SoFi Stadium. Ele já havia pego 400 milhões de dólares da NFL e dinheiro público da Califórnia para a construção, e agora pede mais 500 milhões de dólares da liga para a conclusão. Se aprovado, o estádio já terá custado algo em torno de 5 bilhões de dólares.
E Kroenke não apenas não investe no time, como também leva dinheiro. Um exemplo: segundo balanços oficiais, nas temporadas 2013/2014 e 2014/2015, a sua empresa recebeu pagamentos de 3 milhões de libras do Arsenal Group por “serviços estratégicos e de consultoria”.
Efeitos disso estão no comportamento da torcida. Em 2018, em meio à falta de resultados no fim da passagem de Arsène Wenger, eram vários os protestos pedindo pela venda do clube.
Em julho de 2019, inclusive, uma carta aberta foi feita a Kroenke, com torcedores dizendo que “se sentiam marginalizados” pelo dono, e reclamando da falta de investimentos, de ambição e de planejamento na instituição.
Falta de ambição no mercado
Torcida do Arsenal se unindo para reclamar da situação do clube. Mandaram carta para direção reclamando do dono Kroenke. Sentem que não está havendo evolução em campo ou fora, pouco investimento, falta de planejamento e torcida se sentindo marginalizada. #WeCareDoYou https://t.co/QyzR20eMlM
— Joao Castelo-Branco (@j_castelobranco) July 15, 2019
Essa falta de investimentos gerada pelo descaso do comando é o segundo fator. Enquanto rivais como Manchester City, Chelsea, Manchester United e Liverpool começaram a gastar muito dinheiro para buscar grandes jogadores, o Arsenal foi ficando para trás.
A efeito de análise, quando Mesut Özil foi contratado em 2013/2014 como recorde do clube em valor, seu passe custou £ 42 milhões. O recorde até então era do russo Andriy Arshavin, no longínquo 2009, com aproximadamente £ 15 milhões.
Isso começou a ser quebrado com mais frequência apenas a partir de 2014, quando Alexis Sánchez chegou do Barcelona. Hoje, das dez maiores contratações do Arsenal, nove foram realizadas de 2013/2014 para cá. Mas apenas uma superou a casa dos 60 milhões de libras – Nicolas Pépé, que chegou do Lille para esta temporada custando 72 milhões.
Comparando com o principal time do país, o Liverpool, a diferença assusta. Só em 2018 os Reds fizeram duas contratações acima dos 60 milhões de libras. E estas foram 100% certeiras: Virgil van Dijk e Alisson.
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No caso do Arsenal, entre suas 15 contratações mais caras, além de Özil, constam nomes como Granit Xhaka, Henrikh Mkhitaryan, Shkodran Mustafi, Calum Chambers, Danny Welbeck e Lucas Pérez. Entre saídas e chuvas de críticas aos que ainda permanecem, todos estes, somados, custaram absurdos £ 204 milhões aos cofres.
Ou seja, o Arsenal já gasta pouco. E quando gasta, o faz mal. Isso torna público mais um fator – a falta de uma boa gerência interna. Após a passagem marcante de David Dein, que entre 1983 e 2007 tinha maior parte das funções internas e ajudou a liderar uma revolução ao lado de Wenger como técnico, o time não se achou.
Em 2008, Ivan Gazidis assumiu o cargo de diretor executivo. Apesar do maior gasto com contratações, a falta de visão na melhoria do elenco por parte dele e de Wenger gerou situações complicadas. Em especial, as saídas de grandes jogadores.
Robin van Persie foi para o Manchester United; Cesc Fàbregas para o Barcelona; Samir Nasri ao Manchester City; Alexis Sánchez ao Manchester United às pressas para evitar o fim do contrato; Aaron Ramsey de graça para a Juventus; entre tantas outras perdas pesadas e por valores questionáveis.
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As reposições também foram problemáticas. Quando Henry saiu em 2007, foi substituído por Emmanuel Adebayor. Já Gilberto Silva deu lugar a Mathieu Flamini. Quando Ljungberg foi embora, Emmanuel Eboué foi promovido a ponta, em vez de vir um jogador da posição. Já desde o fim da geração Invincibles, isso foi um ponto fraco.
Com a saída de Gazidis, Raul Sanllehí, vindo do Barcelona, assumiu o cargo. E em julho de 2019, Edu Gaspar (que jogava na geração dos Invincibles) deixou a CBF para ser o primeiro diretor técnico da história do clube. São trabalhos que precisam de tempo e continuidade para gerarem algum efeito.
Fim da era Wenger

Trazendo de volta o assunto Arsène Wenger, chegamos ao quarto fator: a insistência em trabalhos que já não rendiam mais. O caso de Wenger é o mais latente. O francês, que chegou em 1996, mudou a história do Arsenal e sem dúvida é um dos treinadores mais marcantes da PL.
Mas a partir dos anos 2010, especialmente após conquistar a Copa da Inglaterra de 2014, o trabalho já não caminhava mais. A falta de cobrança a determinados jogadores, o pouco dinheiro gasto em janelas e a chegada de treinadores com novos métodos foram suprimindo-o.
Só que o Arsenal seguiu insistindo em Arsène, que só deixou o clube após a temporada 2017/2018 – e ainda com um ano de contrato. Seu substituto, após uma grande novela, foi Unai Emery, tricampeão da Europa League pelo Sevilla e recém-saído do PSG.
O trabalho de Emery começou com sucesso, resultados e o time apresentando uma roupagem diferente, mais brigadora. Mas, pouco a pouco, o repertório foi acabando e a parte final de 2018/2019 foi desastrosa: perda da vaga na Champions League pela PL que parecia certa, e derrota humilhante por 4 a 1 para o Chelsea na final da UEL.
Eram vários os indícios de que Emery não teria muito futuro. Mas a diretoria insistiu e achou válida a continuação. O resultado foi um começo de 2019/2020 péssimo, com um desempenho muito ruim na Premier League e uma quase eliminação na primeira fase da Europa League.
A demissão era iminente e aconteceu em novembro de 2019. Em janeiro de 2020, assumiu Mikel Arteta, que tem feito o time melhorar. Mas assim como na direção, é preciso dar tempo ao tempo no Emirates Stadium.
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Emirates Stadium
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E o Emirates Stadium é justamente o último ponto. Inaugurado para a temporada 2006/2007, o novo estádio trouxe muitos custos e, por isso, o torcedor se acostumou com poucos grandes gastos durante anos. Assim, o Arsenal viveu um grande período de vacas magras.
Mas os gastos com a nova casa estão longe de acabar. Segundo levantamento da Arsenal Supporters Trust, o custo total do projeto foi de 430 milhões de libras, com 260 milhões de libras de empréstimos sendo refinanciados em contratos de longa duração. Parte do valor emprestado, por exemplo, só terminará de ser pago em 2031 (isso mesmo, 2031).
O começo de torneiras fechadas na “era Emirates” coincidiu justamente com uma explosão absurda dos valores de mercado e com clubes gastando cada vez mais valores absurdos. Ou seja: enquanto os times mais ricos gastaram demais, o Arsenal gastou de menos.
Fica claro nisso tudo que todos os fatores citados se cruzam em algum momento. E passados 15 anos do último título dos Invincibles do Arsenal, de alguma forma eles ainda estão atuantes no Arsenal.
Com a chegada e o bom começo de Arteta no comando do Arsenal, há uma esperança de que a situação melhore. Até lá, assim como em todos esses anos, a torcida Gooner precisará de tempo e paciência.