Após 11 anos de Inglaterra, Pochettino de fato mudou a Premier League como ele mesmo diz?

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Na era Premier League, de 1992 em diante, o futebol inglês pode ser dividido em quatro grandes momentos ‘táticos’: o reinado do 4-4-2 inglês (herança de anos anteriores), o 4-3-3 com volantes e pontas de José Mourinho, a influência ibérica e… a chegada de Mauricio Pochettino?

No dia 18 de janeiro de 2013, há exatos 11 anos, o argentino chegou à Premier League para assumir o Southampton, substituindo Nigel Adkins. Rapidamente, o ex-zagueiro construiu um time jovem pautado por um estilo atraente e de alta intensidade, e que tinha a posse de bola e a pressão no campo adversário como atributos inegociáveis.

Inicialmente, o treinador evitou o rebaixamento dos Saints e consolidou a equipe com seu estilo. Jogadores como Nathan Clyne, Dejan Lovren, Luke Shaw, Adam Lallana, Victor Wanyama e Morgan Schneiderlin ganharam notoriedade com o técnico e viveram anos em clubes de ponta da Premier League depois disso.

As vendas do Southampton entre 2014 e 2016

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Fonte: Transfermarkt*

Mesmo criticado no seu trabalho atual no Chelsea, Mauricio Pochettino definiu uma era na Premier League e seu primeiro trabalho no país tem influência até os dias de hoje. Duvida? Explicamos.

O início de Pochettino como treinador

Discípulo de Marcelo Bielsa, que o treinou e lhe deu sua primeira oportunidade no profissional do Newells Old Boys — foram juntos, inclusive, para a final da Libertadores contra o São Paulo em 1992 –, Pochettino apreciava o estilo frenético e “musculoso” argentino que aprendeu com seu ex-técnico.

O que o argentino levou na bagagem que chocou a Premier League foi o foco em um sistema de pressão alta e a todo o momento. Sua ênfase na pressão agressiva lhe rendeu elogios de Pep Guardiola quando ambos treinavam na Espanha, um no Espanyol e o outro no Barcelona.

Pochettino havia sido demitido pelo Espanyol em novembro de 2012, quando ocupavam a última posição na tabela da LaLiga. O ainda jovem treinador não era uma grande figura no mercado, mas o presidente do Southampton, Nicola Cortese, desenvolveu um gosto particular pelo ex-jogador argentino.

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Pochettino em passagem pelo Espanyol, em 2012 (Foto: Icon Sport)

A chegada à Premier League

Cortese, juntamente com o então treinador dos Saints e o guru de transferências do RB Leipzig, Paul Mitchell, que na época era o chefe de recrutamento do Southampton, voou para a Espanha para observar o Espanyol. Embora o foco da viagem fosse analisar o desempenho de um jovem Philippe Coutinho, emprestado pela Inter de Milão, o homem à beira do campo despertou o interesse do mandatário.

Ascendendo em uma era de transição de gerações, Pochettino unia influências dos três maiores vanguardistas do momento: Guardiola, Mourinho e Klopp.

Na época, Guardiola deixava o seu histórico Barcelona, Klopp vencia seu último título com o Dortmund e Mourinho vencia LaLiga pouco antes de deixar o Real Madrid sem a sonhada Champions League.

A construção do estilo

Pochettino chega à Premier League como um treinador que enfatiza a defesa em primeiro lugar, juntamente com um jogo robusto no meio-campo, como Mourinho, mas que prefere jogar a partida no terço ofensivo, como Guardiola, e acredita que a melhor maneira de defender é recuperar rapidamente a bola quando perdida e negar tempo e espaço à oposição quando estão em posse, como Klopp.

Sua influência foi reconhecida instantaneamente por técnicos, jogadores e tem capítulos dedicados a ela em livros sobre a história da Premier League, como “The Mixer”, obra do respeitado jornalista do The Guardian Michael Cox. O próprio Pochettino entende que foi importante:

O futebol na Inglaterra mudou com o Southampton de 2013/14. Não há outra equipe que teve um impacto tão grande na mentalidade”.

Pochettino à LaLiga TV, em 2020.

O que Pochettino fez com o Southampton?

Os Saints de Pochettino jogavam em um 4-2-3-1, compactado no campo adversário para que os jogadores ofensivos pudessem caçar em grupo e recuperar a bola rapidamente em posições avançadas.

Também contavam com laterais atacantes que se comportavam mais como alas para fornecer largura no terço ofensivo, e havia uma forte ênfase em manter todas as linhas próximas em todo o campo para fazer o sistema de pressão funcionar. Esse modelo de jogo era eficaz, mas também bastante específico em suas exigências para cada jogador, tornando-o inflexível e vulnerável quando jogadores-chave estavam lesionados.

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Time base do Southampton da temporada 2013/14

No entanto, quando sua escalação preferida estava disponível, a equipe de Pochettino em Southampton podia ser um adversário temível.

Nos primeiros meses de Inglaterra, seu Southampton bateu Manchester City (3 a 1), Liverpool (3 a 1) e Chelsea (2 a 1), entre as rodadas 26 e 31 da temporada 2012/13.

Além disso, abriu a temporada seguinte com 12 dos 14 primeiros jogos sem derrotas, incluindo um empate com o Manchester United e uma vitória sobre o Liverpool, que brigaria pelo título até a última rodada em 2013/14.

No entanto, eles tendiam a ser muito limitados taticamente. Pochettino tentou algumas modificações no início da temporada com a aquisição de Dani Osvaldo, que ele havia treinado anteriormente no Espanyol. Infelizmente, o temperamento de Osvaldo causou muitos problemas dentro do elenco.

Assim, a escalação principal e o sistema que Pochettino adotou imediatamente ao chegar em janeiro de 2013 continuariam sendo o padrão em St. Mary’s até o verão de 2014, quando o argentino e muitos desses jogadores deixaram o clube.

A tática que mudou a Premier League

A grande novidade introduzida por Pochettino foi o jogo de pressão alta. Já vimos equipes espanholas pressionarem alto antes: Barcelona sob o comando de Guardiola e o Athletic Bilbao sob Marcelo Bielsa. Mas esse tipo de pressão é algo que não existia na Premier League antes.

Claro, os grandes times sempre pressionam os times menores mais alto para recuperar a bola, mas esse nível de marcação alta do Southampton foi algo nunca antes visto, sem contar que brigavam contra o rebaixamento. A ideia é mais popular hoje em dia, dez anos depois: impedir o outro time de jogar, roubando a bola no campo de ataque, antes que tenham tempo para entrar no ritmo.

Na imagem abaixo, é possível ver a sua formação defensiva no jogo contra o Liverpool em Anfield, em setembro de 2013, onde venceram por 1 a 0: marcação alta, jogadores dos Saints (de preto) muito próximos aos volantes e laterais dos Reds e impedindo a progressão. Até aquele momento, o Southampton era a única equipe a não sofrer gols em Anfield na temporada.

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Liverpool x Southampton, pela Premier League, em 2013 (Foto: Reprodução)

Esse tipo de pressão funciona extremamente bem contra equipes que dividem seus zagueiros e que querem jogar a partir de trás, como o Liverpool fazia. Em outros jogos, eles às vezes pressionavam com uma dupla inicial na frente, mas a ideia de Pochettino é manter os dois volantes juntos, à frente dos zagueiros, e permitir que o seu meia-atacante pegue o armador mais recuado do adversário.

A chave para esse tipo de pressão são jogadores enérgicos, que têm pernas para realizar essas corridas de alta intensidade, e o Southampton claramente tinha isso.

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No papel, como funcionava a marcação alta do Southampton que inibia a progressão dos adversários

O inovador só vira comum se faz sucesso

Apesar de ser algo corriqueiro de assistirmos aos finais de semana na Premier League atual, isso foi um choque de realidade há dez anos — não era nem um pouco normal, e essa é a influência do técnico. Depois, outros treinadores passaram a adotar esse tipo de esquema, como o próprio Ronald Koeman, seu substituto nos Saints.

E claro que Pochettino repetiria a fórmula no Tottenham. Com esse estilo, mesmo que “mais comedido” nos Spurs, o argentino levou o clube londrino a um terceiro lugar em 2015/16, ano do título do Leicester, e o vice-campeonato na temporada seguinte.

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Foto: Icon Sport

Com o tempo, outros treinadores com essa mentalidade chegaram à Premier League e ajudaram a estabelecer a imagem do futebol inglês como um jogo de alta intensidade.

Klopp, expoente do estilo na Alemanha, demorou, mas instaurou isso no Liverpool, assim como Guardiola no Manchester City. Depois, nomes “menores”, como Nuno Espírito Santo e Ralph Hasenhuttl, também foram expoentes do sucesso do argentino com seus estilos frenéticos.

No fim das contas, goste ou não do seu trabalho no Chelsea — que, inclusive, analisamos os sinais positivos que existem — ou até mesmo de uma passagem não tão brilhante no Paris Saint-Germain, é inegável que Mauricio Pochettino definiu uma era na Premier League como poucos outros fizeram.

*A PL Brasil não garante a veracidade dos valores de transferências publicados pelo Transfermarkt, uma vez que, na maioria das vezes, os números não são oficializados pelos clubes envolvidos na transação e acabam estimados pelas plataformas. Valores à parte, o Transfermarkt é historicamente uma fonte confiável em relação a estatísticas e registro histórico das transferências.

Guilherme Ramos
Guilherme Ramos

Jornalista pela UNESP. Escrevi um livro sobre tática no futebol e sou repórter da PL Brasil. Já passei por Total Football Analysis, Esporte News Mundo, Jumper Brasil e TechTudo.

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